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Os livros que doem no peito


Um dia antes da morte de Winnie Mandela, a poeta Maya Angelou foi lembrada, pois faria 90 anos, se estivesse viva. Pouco badalada no Brasil, celebradíssima nos Estados Unidos, destacada pelas lideranças negras, também escreveu uma autobiografia – Eu & Mamãe & Eu (Rosa dos Tempos, R$ 37,90) - a partir da influência que a mãe, Vivian, exerceu sobre ela. Aos três anos, Maya e o irmão mais velho foram viver com a avó paterna, de quem só se separaram uma década mais tarde, para voltar a morar com a mãe. O texto expressa claramente a dificuldade em estabelecer laços afetivos e, principalmente, em eclipsar a figura forte de Vivian, que não se furtou a permanecer longe dos filhos para seguir seu próprio caminho, um comportamento ainda hoje raro entre mulheres. A imensa admiração pela mãe e o empenho em se afirmar num país francamente racista estão em cada linha, que escondem o embate camuflado da mágoa pelo abandono e o reconhecimento da força daquela mulher que sempre estava pronta a apoiar os filhos.

Em momento político de polarização ideológica vivida no Brasil, a leitura do pensamento conservador poderia ser irritante para as mentes que se batem contra as convenções e a manutenção de um status que privilegia algumas poucas parcelas da sociedade. Roger Scruton é uma das vozes do conservadorismo britânico, como demonstra em sua incisiva crítica aos esquerdistas em Tolos, fraudes e militantes – Pensadores da Nova Esquerda (Record, RS 54,90). O tom condescendente com quem vê o mundo por outro ângulo surge de quando em quando, porém ele não desdenha de seus adversários. Reconhece a importância e o encantamento que causaram homens como Eric Hobsbawn, Edward Said, Michel Foucault, Gilles Deleuze e Slavoj  Zisek. Da mesma maneira que acadêmicos brasileiros, tenta derrubar suas ideias com uma redação irônica e inteligente, trocando a argumentação pela força do sarcasmo. A princípio, envolve o leitor com seu charme, mas, em cinco páginas revela claramente o que defende em trechos como “O objetivo da “justiça social” já não é a igualdade perante a lei ou iguais reivindicações aos direitos da cidadania, como defendidas durante o Iluminismo (...) é um rearranjo compreensivo da sociedade, a fim de que privilégios, hierarquias e mesmo a desigual distribuição de bens sejam superados ou desafiados”. Um perigo sucumbir à lábia didática de Scruton, que acredita ter se esforçado em apontar “o que é bom nos autores” que revisou. A arrogância que emprega ao falar da “causa sem descanso” das esquerdas de lutar pela libertação de vítimas que “sempre surgem no horizonte assim que as últimas escapam para o vazio”, enumerando na agenda social a libertação das mulheres, “dos animais do abuso humano, dos homossexuais e transexuais da “homofobia” e mesmo dos mulçumanos da “islamofobia” (SIC)”. A retórica afinada do conservadorismo é internacional e deve ser conhecida por quem a combate, mesmo que incomode a alma.