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Papete de corpo e alma


Sua cantoria vocaliza versos, dá vida às rimas. Afinada, ela tem o jeito dos cantadores de feira, tem a pegada dos que delicadamente embutem emoção em cada respiração.

Seu novo álbum é duplo. Além de reeditar (regravando, remixando e remasterizando) Bandeira de Aço – um de seus trabalhos mais criativos, lançado pela gravadora do saudoso Marcus Pereira em 1978 –, traz também Sr. José... de Ribamar e outras praias... (independente), seu 23o disco.

O fato de termos nas mãos dois discos tão diferentes revela que têm a afinidade de serem produzidos por alguém especial, alguém que recria a música ao sabor de seu amadurecimento. Papete é sempre diferente e é sempre (quase) igual em (quase) tudo. Variações saltam aos olhos, reedições vêm a calhar, inéditas chegam para completar, regravações soam para confirmar, para que se observem ângulos musicais não pressentidos.

Para começar, um reggae: “O Biltre” (Josias Sobrinho). Papete canta e surpreende com seu bom cantar.

A bonita “Senhor José” (Alberto Trabulsi), além da percussão e do solo vocal de Papete, tem no ritmo final seu apogeu.

Três músicas do CD anterior de Papete estão neste Sr. José...: “Na Baixa do Sapateiro” (Ari Barroso), “After Sunrise” (Oscar Castro Neves) e “Era Uma Vez” (Eugênio Matos). Iniciando esta última, ouve-se uma levada rítmica afro-brasileira. Entra uma voz de criança. É Vitória, filha de Papete, convidando para ouvirmos a música. Com suas músicas, Papete traduz o país que Vitória conhece pelos olhos e pelas mãos paternas, elas que não tem cordas, nem preconceito que as reprima. Segue-se o instrumental, com o ritmo maranhense predominando. A levada é pop, quase roquenrrol. Ao final, Vitória volta para lamentar que a música tenha acabado. Linda.

“Na Baixa do Sapateiro” tem poderosa versão instrumental. A percussão arrasa no berimbau e no timbáu. O piano dá molho à melodia. Ari Barroso adoraria ouvir.

“After Sunrise” é, segundo Papete, uma homenagem à percussão e à música instrumental. O piano sola a bela melodia. Modernidade à flor da pele.

“Cubanita” (Almir Sater e Paulo Simões) tem gosto de polca paraguaia.

“Estrela de Madureira” (Acyr Pimentel e Cardoso), um grande samba gravado com delicioso requinte.

Grandes músicas gravadas por Papete, comprovando sua nenhuma disposição para restringir música a rótulos. Não há composição no CD que não reflita o imaginário de Papete, seu jeito de ver o mundo, sua relação com a natureza. Tudo lá é Papete – lá estão seu espírito e seu corpo.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4