Loading...

Pelas águas e terras da Guanabara


Na mistura entre ficção e realidade, personalidades outras épocas, como o pirata René Du GuayTroin e a vedete Luz Del Fuego, surgem nos contos ao lado de quem presenciou os acontecimentos, entre eles o escritor Lima Barreto, que registrou a reação dos cariocas ao movimento militar: “Com o tempo, a Revolta passou a ser uma festa, um divertimento da cidade”. Os moradores subiam os morros da região central do Rio para assistir a alguns bombardeios, apostando qual alvo seria atingido, conta Barreto em crônicas. Falando sobre a vida singela dos povos da Baía de Guanabara, Nei Lopes criou histórias sobre gente humilde, ex-escravos enfrentando a concorrência dos imigrantes europeus no mercado de trabalho, moradores de cortiços, marinheiros, pequenos comerciantes, além de figuras totalmente imaginárias, como Maria Angu, dona de um famoso bordel, que acaba se radicando na Ilha do Governador, imortalizada ao dar nome à praia onde vai viver. Um Rio de Janeiro violento, quente e de natureza exuberante como o temperamento marcante de seus habitantes.

É este mesmo povo que mostra seu caráter nacional em Santos Fortes (Rocco, RS  29,90) dos historiadores Leandro Karnal e Luiz Estevam de O. Fernandes, que tratam da comovente devoção brasileira a intermediários que ajudem o fiel a obter graças concedidas por Deus. No país em que os nomes mais corriqueiros nos registros de nascimento são Maria e José, não faltam devotos cumprindo promessas para quem não foi consagrado pela Igreja Católica, como a Escrava Anastácia e o Padre Cícero. O texto traz curiosidades como a pouco conhecida biografia do popularíssimo São Longuinho, o que traz objetos perdidos a quem invocar seu nome e der três pulinhos, um militar romano que perfurou o corpo de Cristo, na cruz, com uma lança e acabou conhecido pela corruptela de “Longinus”, a forma latinizada do grego “lonche” – lança. E lembra que a Igreja chegou a colocar em dúvida, por falta de comprovação histórica de suas existência, a santidade de alguns de seus mártires. Por isso, nos anos 1960, o papa Paulo VI permitiu que a festa do santo fosse opcional, o que, segundo os autores, seria algo como o chefe dar “ponto facultativo” a seus funcionários.  Trinta anos mais tarde, o município do Rio de Janeiro decretava feriado no dia de São Jorge, associado pelos cariocas ao orixá Ogum, do candomblé. “Jorge decaía na Cidade Eterna e crescia na Cidade Maravilhosa”, concluem Karnal e Fernandes.

Lendas e casos saborosos também compõem a deliciosa biografia Sandro Moreyra – Um autor à procura de um personagem (Gryphus, R$ 39,90), do jornalista Paulo Cezar Guimarães, que homenageia o colega ao levantar passagens divertidas da vida de um carioca nascido numa época em que ser bon vivant não tinha a conotação pejorativa da atualidade.  Filho do poeta Alvaro Moreyra e da jornalista Eugênia, Sandro especializou-se em cobertura esportiva, tornando-se amigo de craques, entre eles, Garrincha.  Bronzeadíssimo, desprezava solenemente os filtros solares em suas idas diárias à praia, equilibrando alegremente o trabalho incessante como jornalista com o culto ao bom-humor.  Leitura indicada até para os mais empedernidos adversários do Botafogo, time pelo qual Sandro era apaixonado.