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Poderia ser, mas não foi...


Ora, juntando dois bambas, cariocas identificados com o que o Rio de Janeiro tem de melhor - por si só uma ótima idéia -, só poderia dar bom samba. Somando um violão bem tocado por um músico que o domina com mestria - além de usá-lo muitíssimo bem para compor sambas de alta linhagem - à percussão de um dos melhores nesse ofício, e somando a um repertório impecável e cheio de picardia, era mais do que previsível imaginar que os dois deitariam e rolariam, e ainda deleitariam o ouvinte. Tudo isso e mais a singela simplicidade de arranjos bem elaborados e ensaiados haveriam de permitir que músicas assim gravadas revelassem um álbum de referência da boa música. Entretanto, finda a audição de suas 12 faixas, fica nítida a sensação de que algo não está nos conformes - a concepção do disco determinou que Moacyr Luz fosse o protagonista e Marçalzinho o coadjuvante. Parece que o instrumentista apenas faz ritmo para as músicas cantadas pelo artista. O que é pouco, muito pouco. Ao privilegiar o violão bem harmonizado por Moacyr e a sua voz (que está longe de ser a de um bom canto), em detrimento do virtuosismo de Armando Marçal, o CD perdeu a força. Tinha tudo para dela se valer e se tornar definitivo, somando os sons do percussionista à qualidade do suingue do sambista. Pena!A voz tímida de Moacyr sobressai, o ritmo de Marçalzinho se esvai. A sensação de que se perdeu uma grande chance de criar algo inusitado nos faz crer que os dois deveriam ter sido tratados em pé de igualdade musical. Tudo bem que Moacyr Luz já tem diversos CDs gravados e Armando Marçal, ainda não. Mas do jeito que lá está, a junção dos dois se revelou pálida sombra do que poderia ter sido.Entretanto, Sem Compromisso tem o mérito de reavivar quatro ótimos sambas da lendária dupla Bide e Marçal. Mestre Marçal, que vem a ser pai de Armando Marçal, compôs com Bide sambas antológicos, além de comandar a bateria do Império Serrano e da Portela, escola onde ficou por mais de 20 anos. Da dupla, Moacyr e Marçalzinho gravaram "A Primeira Vez", "Agora é Cinza", "Barão das Cabrochas" e o lindíssimo "Não diga a minha residência". Merece também aplauso o fato de gravarem "Leviana", de Zé Kéti, e "Sem Compromisso", de Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro, além de outro bonito samba, este de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, "Contentamento". E também a decisão de Moacyr Luz de gravar parcerias dele com Aldir Blanc: "Mandingueiro" e a antológica "Rainha Negra", lançada por Maria Bethânia e gravada por ele no disco Vitória da Ilusão, em 1995; dele com Sereno, "Que bartuque é esse"; dele com Hermínio Bello de Carvalho, um dos mais belos sambas do CD, "Quem Mandou?", e dele com Martinho da Vila, "Zuela de Oxum".A voz de Moacyr Luz pede acompanhamento harmonicamente mais rico, pois assim ela se ampara e faz-se incomum - a gravação de "Rainha Negra", por exemplo, no disco de 1995, tem força infinitamente maior do que a registrada agora em Sem Compromisso. Naquele, além da percussão de Beto Cazes e do violão de Moacyr, ouve-se o cello de Luiz Fernando Zamith, o que mais enriquece a melodia e a interpretação do autor. E a percussão de Armando Marçal merecia uma mixagem que a levasse à frente das caixas de som, para que tornasse claro o talento desse instrumentista que precisa de muito pouco para tirar sons inusuais de qualquer coisa que emita um ruído qualquer.Sem Compromisso poderia ter marcado presença já como um dos melhores discos de 2007, não fosse o erro de concepção artística. Assim, ficará registrado como apenas mais um trabalho de Moacyr Luz, aquém de tantos outros que ele já lançou, e não como um trabalho de ponta, feito em parceria igualitária por dois dos maiores talentos que a música brasileira tem em atuação hoje.Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4 e autor de O Gogó de Aquiles, ed. A Girafa. Seus textos são publicados semanalmente no Acontece na  no Diário do Comércio (ACSP), Meio Norte (Teresina), A Gazeta (Cuiabá), Jornal da Cidade (Poços de Caldas) e Brazilian Voice (EUA). No rádio, sempre às segundas-feiras, das 15h às 16h, "O Gogo de Aquiles" vai muito bem, obrigado. Você poderá escutá-lo (no Rio de Janeiro) sintonizando diretamente na Rádio Roquete Pinto, ou (fora do Rio) na internet: www.fm94.rj.gov.br .