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Quando o carnaval acabou


Duas mudas de roupa, esmalte e batom furtados da irmã, o endereço da cafetina em Copacabana, o telefone do importador e aplicador de silicone e um projeto ambicioso: ser rainha de bateria de escola de samba, qualquer uma. Desde que no turbilhão da festa e no pranto da cuíca pudesse esquecer o turbilhão de sofrimentos e todo o choro derramado na infância e juventude infelizes.

“A vida é para frente, querida”, disse à amiga, na despedida. Para trás ficaram o pai repressor, a mãe enferma, os irmãos covardes, e todo o arsenal de humilhações sobre o qual um dia pisaria com os saltos da sandália dourada no asfalto da Sapucaí. Em frente, holofotes, câmeras de televisão, flashes, autógrafos, toda a luz da luz que iluminava Copacabana e que a persegue desde o dia em que a conheceu nas páginas da revista.

 Val e a vontade de ser maior do que um apelido de três letras, um nome ou sobrenome; nada que o fizesse se lembrar do pai. Val e a chegada triunfal no apartamentinho de luzes difusas da Prado Júnior, de quartos espremidos em subdivisões asfixiantes, cafetina fedendo a cigarro e conhaque baratos. Café com pão na padaria da esquina. Val e a vida, tão grande quanto a vida, tão forte quanto a vida que nenhuma ira afronta. Quem tem um sonho não dança, já ouvira.

De tão enfeitada, quase não se reconheceu. Mas enfrentou e se transformou. Como estava linda!, todos diziam. Não foi com o milionário para a Suíça, nem com o artista para a Suécia, esnobou o professor alemão que queria carrega-la para tão longe. De Copacabana só sairia para a Avenida.

Confessou o sonho ao novíssimo amor das madrugadas, que tinha trânsito e prestígio no Carnaval. E lá se foi Val, para os testes e enfeites, para as luzes e gabinetes, aprovada com louvor. Além de linda, tão talentosa!

Ah, Petrolina, se você me visse agora. Será que iria reconhecer sua menina?

E naquele Carnaval, quem a viu não esqueceu. A mais bela rainha de todos os súditos de Momo. Os braços abertos e o sorriso mais satisfeito nas páginas dos jornais do dia seguinte.

Felicidade demais. Depois do desfile da mais longa segunda-feira de folia, a terça foi de êxtase e comemoração com o novíssimo e generoso amor no motel do Centro, lembranças, vinganças, álcool, drogas à vontade. A felicidade não tinha tamanho, mas o coração tem. E o de Val não resistiu à sedução da loucura. As manchetes de jornais da quarta-feira de cinzas eram bem diferentes daquelas do dia anterior. Aos repórteres, o amor só sabia repetir:

– Ela estava feliz, minha gente. Feliz como nunca a vi.