Loading...

Reedições e vanguardismos


Nem só de lançamentos vive o mercado editorial — ao contrário, de clássicos a edições revisadas, não faltam títulos que volta e meia são republicados, acrescidos de análises e informações adicionais sobre o texto original. Alguns contam com novos adendos do próprio autor, como faz Raimundo Carrero, que, em 2007 lançou A preparação do autor, um curso para “aprendizes de escritores”, segundo o mestre pernambucano, que destrincha a composição da narrativa, mostrando que literatura não é só inspiração.


O mais recente estudo literário de Carrero, A luta verbal (Iluminuras, R$ 48) traz no mesmo volume a segunda edição de A preparação do autor. O ensaio inicial discute o engajamento do escritor brasileiro em questionar a desigualdade social através da literatura, e está aberto a qualquer leitor. A tradição da luta verbal brasileira vem de Castro Alves, Joaquim Nabuco e Lima Barreto, contra a escravidão, representada por Graciliano Ramos, Jorge Amado e João Cabral de Melo Neto na literatura nordestina, “e com os poetas Ferreira Gullar e Alberto da Cunha Melo na escrita do combate à ditadura. Todos escreviam com a faca nos dentes”, diz Carrero, que exalta diversos escritores do século XX, entre eles Ariano Suassuna , “preocupado com a cultura popular, onde sempre viu a verdadeira manifestação daqueles que sofrem e choram, muitas vezes famintos e maltratados pela indiferença dos poderosos”. Hoje, a luta contra o negacionismo está nos contemporâneos Jeferson Tenório, Paulo Scott, Itamar Vieira Junior,  entre tantos, e inclui “o funk slam, verdadeiro ativismo literário surgido nas periferias das grandes cidades”, que traz das ruas a vanguarda popular, ignorante do beletrismo, porém genuína e representativa. Um libelo contra o conformismo e aburguesamento da literatura, que serve de prólogo para um guia de estilo ficcional nesta nova edição.


Em 1958, Otto Maria Carpeaux publicava A história da música da Idade Média ao século XX (Faro Editorial, R$ 65,90), esclarecendo no prefácio que o livro se dedicava à produção musical oriunda da Europa e América, sem incluir a de “outras civilizações, seja da árabe, da indiana, seja da chinesa”. Para Carpeaux, a música é fenômeno específico da “civilização do Ocidente”. “Em nenhuma outra civilização ocupa um compositor a posição central de Beethoven na história de nossa sociedade; nenhuma civilização produziu fenômeno comparável à polifonia de Bach”, afirma. A nova edição não se resguardou de críticas à terminologia ou classificações do autor, totalmente rechaçáveis na atualidade, diante da revisão de conceitos culturais. Excetuando o que o próprio Carpeaux ressalta como ausência proposital de enfoque, sua história da música – europeia e americana – mantém a relevância ao trazer, em linguagem acessível, informações para leigos sobre o desenvolvimento da expressão musical até os anos 1950 – ignorando, no entanto, a canção popular que passa a dominar o cenário no século XX. O único compositor que transitou entre as duas vertentes citado por Carpeaux é o americano George Gershwin, e ainda assim apenas com a ópera Porgy and Bessie.


Tratando de um tema atualmente tão distanciado das massas que consomem canções sem tanta engenharia criativa, Otto Maria Carpeaux escreve com a objetividade do jornalismo contemporâneo. Ao longo do texto, ele defende seus pontos de vista para apresentar a evolução das vogas musicais e o quanto cada grupo de compositores ultrapassou barreiras na montagem de peças que se perpetuaram até a atualidade. Sim, não havia show business, mas a música era um negócio como outros, seguindo fórmulas para conquistar plateias e sempre em busca de novas maneiras de arrebatar multidões. Daqui a 100 anos, provavelmente, ainda haverá respeito e audiência para Mozart e Gershwin e, quem sabe, para a maravilhosa Gal Costa, que nos deixou precocemente neste novembro.