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Reflexões sobre o 8 de março.


Com o feminismo voltando à voga, entendo a ênfase da atualidade em valorizar as escritoras, já que as mulheres demoraram até se firmarem como literatas, chegando a usar pseudônimos masculinos para assinar seus textos. O que me espanta é que feminismo continue sendo um adjetivo quase pejorativo. Em criança, conheci as primeiras feministas pelo noticiário. A americana Betty Friedan era sempre classificada como “feia”. A seu lado, a bela Gloria Steinem mostrava que direitos iguais nada tinham a ver com ser “mal amada, horrorosa e encalhada”. Muitos anos antes, Simone de Beauvoir falara que ninguém nascia mulher, tornava-se mulher. Simone foi, oficialmente, a primeira feminista que eu li. Comprei e devorei O Segundo Sexo (Nova Fronteira, R$ 120), que, há mais de meio século, falava em contracepção, divisão de tarefas domésticas e em creches. Na mesma época, li Aspectos do Presente (Francisco Alves, R$ 15 – em sebos), da antropóloga Margareth Mead, que falava sobre casamento, sexo, tabu e diversos assuntos de interesse feminino sob a ótica de alguém que conhecera outras sociedades. Um de seus mais conhecidos ensaios, A adolescência em Samoa, escrito em 1924, integra Cultura e personalidade (Zahar, R$ 39,90), que também traz textos de Ruth Benedict e Edward Sapir, com quem Mead trabalhou – e namorou.

Nos longínquos anos 1970, Margareth Mead era vista como uma figura estranha, de corte de cabelo antiquado e fala muito atrevida para senhoras de sua faixa etária. À observação científica ela somava paixão pelo estudo de outros grupos sociais, que se mostravam libertários para os ocidentais. Nesse momento em que o feminismo retorna às discussões, é interessante verificar quantos ícones são erguidos no altar do gênero. Outro dia, li uma blogueira jovem que comprava um livro de Virginia Woolf porque “ela era feminista e eu também”. O motivo é mais do que legítimo para levar à descoberta de uma obra brilhante, que incluiu também análises sobre o papel social e artístico da mulher. Um dos artigos reunidos em O valor do riso (Cosac Naify, R$ 52) trata exatamente das razões para o surgimento tardio das escritoras, antes inibidas pela falta do reconhecimento de que eram seres pensantes, da precária educação reservada às mulheres por muito tempo, pela obrigação de cuidarem de filhos e de maridos.

Se hoje temos tantas mulheres prontas a escrever e a refletir sobre o significado do feminino a cada 8 de março, não faltam lugares onde o gênero ainda determina seu destino como objeto. É o que conta Jennifer Clement em Reze pelas mulheres roubadas (Rocco, R$ 39,90), um vigoroso romance ambientado no interior do México, onde os lugarejos só têm mulheres e meninos entre seus moradores. Qualquer menina que nasça é vestida com trajes masculinos a fim de evitar o rapto pelos traficantes de drogas. A vida miserável de populações esquecidas pelos governantes é contada através da saga da jovem Ladydi, que vê a melhor amiga, “mais bonita que Jennifer Lopez”, virar escrava sexual, destino do qual escapa escondendo-se em buracos subterrâneos abertos pela mãe. Nascida no México, Jennifer Clement, que acaba de ser indicada ao Prêmio Pen/Faulkner de ficção, faz um retrato da violência de seu país e da luta pela sobrevivência em lugares onde jamais se ouviu falar em qualquer tipo de direito.