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Sobre a necessidade da releitura


Diante da incredulidade de quem faz a pergunta, garanto que clássicos lidos na juventude merecem ser revistos na maturidade. Abrir David Copperfield (Cosac Naify, R$ 65) mais de quatro décadas depois da primeira leitura e redescobrir o mestre da narrativa que era Charles Dickens parece o reencontro com um ex-namorado. Fora os autores consagrados como leitura erudita – Goethe, Shakespeare, Thomas Mann, Henry James – os mais populares, entre eles Dickens, Jules Verne, Alexandre Dumas, Conan Doyle – acabam permanecendo em nossa memória como “leitura juvenil”, como se o que atrai jovens não merecesse ser lido por qualquer faixa etária. Talvez nossa sede de conhecer novos escritores, que tratam dos problemas contemporâneos, seja o que nos afaste da literatura clássica. E há também os que saem de moda, como Somerset Maugham, que os críticos especializados menosprezam solenemente – mas que era um grande narrador.

Neste agosto de tantas distrações esportivas e políticas passou quase despercebida por aqui a morte, aos 86 anos, da belga Françoise Mallet-Joris. Dela li – e reli incontáveis vezes -  A casa de papel ( José Olympio,  só encontrado em sebos). Essa delícia autobiográfica sobre a vida de Françoise com os quatro filhos, o marido, um pintor, as empregadas domésticas e os agregados à família me acompanha desde a adolescência. Deveria ser guardado ao lado de outras sagas familiares encantadoras, que sempre estou folheando, como a trilogia de Corfu de Gerald Durrel, iniciada por My family and other animals, e Léxico familiar, de Nathalia Ginzburg – todos só encontrados em sebos.

Dentro das estranhezas de leitora, tenho uma bastante peculiar: começar uma leitura e saber que voltarei a ela várias vezes. É o que aconteceu com O tigre – Uma história real de vingança e sobrevivência (Intrínseca, R$ 49,90), do jornalista John Vailant. O mais empedernido conservacionista vai fraquejar diante da saga de um grupo de caçadores para eliminar um tigre siberiano que aterroriza um vilarejo na região oriental da Rússia. Mais que reconstituir o episódio que envolveu moradores de Sobolonye, próximo à fronteira com a China, Vailant mostra o quadro de confrontos inevitáveis entre homens e animais em áreas onde a natureza foi devastada e a população precisa se defender dos ataques dos grandes felinos, que se aproximam das aglomerações humanas em busca de alimento. Narrado como uma aventura recheada de informações sobre o extermínio de espécies e a sanha assassina dos caçadores ilegais que vendem peles e garras de tigres, essa reportagem estendida exige bem mais do que uma só leitura.