Loading...

Sonho e pesadelo


– Quanto à segunda pergunta?... – Peguei um engarrafamento cachorro, doutor Ayres. Horas parado dentro de um ônibus na 24 de maio. Não é fácil vir do Méier a Copacabana. – Em uma cidade deste tamanho, constantemente engarrafada, engarrafamentos não podem mais servir como justificativa para atrasos. Trânsito parado, hoje, aqui e agora, é rotina. O que não pode virar rotina é o atraso no trabalho. – Não entendi onde o senhor quer chegar. – Não quero chegar a lugar nenhum, Seu Antônio. Eu precisava chegar até aqui, no meu serviço, e cheguei. Na hora. E também de ônibus. – Doutor Ayres, francamente. Não seja tão Caxias. – E se os papéis fossem trocados, Seu Antônio? Se o senhor estivesse em meu lugar e eu no seu, aceitaria que eu entrasse aqui à esta hora? – Mas é claro. Sou a generosidade em pessoa. – Pois saiba que, à nossa revelia, os papéis foram trocados. O senhor foi promovido e eu fui rebaixado, com a opção honrosa da demissão voluntária, caso não aceitasse. Aceitei. O senhor será o meu chefe, a partir de amanhã. Vamos ver como é que a banda toca. – Não acredito. – Acredite. E quanto aos engarrafamentos diários, a vida continua? – Vamos ter que repensar, Seu Ayres. Vamos ter que repensar.    

Dormindo ou acordado, a distância entre o sonho e pesadelo pode ser apenas de dois pra lá e dois pra cá. Ou vice-versa.