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Sou um privilegiado


Na quietude do escritório onde escrevo, tenho por princípio ouvir música com a certeza primeira de que ela tem valor. Ponto. Afinal, alguém a concebeu, dela fazendo espelho de seu anseio mais íntimo.

E é assim, com a alma curiosa e os ouvidos atentos e alertas, que eu me ponho a ouvir discos de pessoas sobre as quais, na maioria das vezes, não faço a menor ideia do que são capazes musicalmente.

Procuro dar ao trabalho de alguém ainda desconhecido por mim a mesma atenção que dedico a outro, já veterano, de quem reconheço a obra e o talento. Talvez, pensando bem, os independentes e os novatos recebam ainda mais atenção, já que sei que para eles tudo é mais difícil. Para eles as portas costumam estar trancadas, quase inexpugnáveis. Para eles, a grande mídia não costuma dar a devida importância.

Seja uma harmonia elaborada ou ingênua, a melodia que a ela se sobrepõe é parte intrínseca de um todo que chamamos música. Seja um verso romântico ou um refrão jocoso, tudo que ouço deriva da inspiração de quem ousou expressar seus sentimentos – criação mágica que expressa o prazer de, enfim, ser autor, de poder se regozijar: “Agora sim, sou compositor!”.

Venha de veterano ou principiante, tudo é música, e quem dela faz seu ofício tem de ser respeitado, valorizado. Assim vejo os trabalhos que me chegam em tal quantidade que se torna complexo escolher por qual começar. Sobre qual CD escreverei palavras que tento buscar com carinho igual ao que foi dispensado por quem o gravou? Essa “escolha de Sofia” resulta, por vezes, na cruel suspeita de que não foi justa a minha escolha. Enfim, ossos do ofício que abracei com paixão.

Quando sinto que um disco passou por mim sem me tocar, deixo-o de lado. Quando um disco me agrada, mas nele há alguma coisa que me incomoda, busco palavras para expressar o que penso sobre o tal incômodo, mas sem nunca desmerecer o trabalho como um todo. Busco em cada faixa o que há de melhor. Se o criador tem carinho pela sua obra, carinho maior deve ter por ela o comentarista, já que compositores, cantores, instrumentistas e músicos de qualquer gênero veem o seu disco como um filho recém-parido... e não se pode desmerecer o filho/obra de ninguém.

Não sendo conhecedor de harmonia nem estudioso de estilos musicais, minhas escolhas se pautam na emoção. Busco descrever o que ouvi, o que me avivou, muito mais do que escrever uma resenha técnica. (Nada contra isso, ok?). Só não me sinto menos crítico de música por não esculachar discos alheios.

Há tempos eu pensava em compartilhar com vocês, leitores, a emoção de escrever. Eu precisava disso. Afinal, é como diz e canta o poeta Paulo César Pinheiro: “O importante é que a nossa emoção sobreviva”.


Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4