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Tear, a arte reta de Zeh Rocha


O CD termina com “África É Uma Só”, fecho perfeito, a demonstrar onde está a força maior da música deste que carrega nas veias a grande miscigenação musical. Nela, os violões de náilon de Zeh Rocha e o de 12 cordas tocado por Lulu Oliveira comandam a levada irresistível composta pelo pedal calcado em notas graves, que se repetem alterando apenas uma nota do baixo de Juliano Holanda. Um quarteto vocal masculino dá suporte para Zeh Rocha cantar a sua letra repleta de africanidades. No intermezzo, o trombone desenha junto com os violões – e o baixo lá, com seu pedal. Um ótimo refrão faz deste fecho um dos grandes momentos de Tear. “Salve o Rei do Congo”, a penúltima faixa do CD, é um samba-maracatu cheio de suingue, levado pela voz de Zeh Rocha junto com outras três vozes masculinas. A força do trombone de Dió revela, junto com as congas de Bruno Vinezof e mais a bateria e o caxixi de Rudá Rocha, um refrão contagiante. A música 11 do disco de Zeh Rocha, “Secas de Março”, tem letra de Jessier Quirino (“É a seca de março torrando o sertão/ É a promessa devida da outra eleição”) – um contraponto a “Águas de Março”, de Tom Jobim. A bateria marca a levada na caixa para deixar que o violão de aço ponteie, e ele não se faz de rogado. Um intermezzo permite que o violão acentue ainda mais a delicadeza de seu dedilhar.“Saga de um Coração Mouro”, a décima faixa, é o desaguar do sangue espanhol nas veias abertas da música nordestina. Quem canta a letra de Adriano Marcena é Gerald Maia. E o violão se faz andaluz, recebe o soar das castanholas e juntos planteiam a bela melodia de Zeh Rocha.Apesar de “Bumba Meu Boi da Boa Hora” estar com ao menos um tom acima das possibilidades vocais de Zeh Rocha, esta nona faixa é boa, principalmente quando trombone, violões e congas tocam duas deliciosas marcações melódicas e rítmicas que se repetem ao longo de toda a música.E chega “Mar Cirandeiro”. A caixa toca a característica puxada de vassourinas, enquanto o som da moringa dá sabor à levada nordestina. A melodia segue por caminhos surpreendentes, levada que é pelos violões. Mas é quando o violoncelo de Fabiano Menezes e o violino de André Correia surgem que o ouvinte percebe o tanto de brasilidade que tem diante de si.A música que empresta título ao CD é a sexta. “Tear” tem letra de Jessier Quirino, ele que diz os versos do aboio anônimo levado ao disco para torná-lo ainda mais musical e nordestinamente rico. A sanfona e o violino, que soa feito rabeca de feira, abrem espaço para a zabumba e seguem, entregando a condução melódica aos vocais de Zeh e Jessier.A quarta faixa é a melhor de todas. “Fulorada” tem o som ponteado de um violão nordestinamente pronto para reduzir qualquer aridez. A acompanhá-lo, um pandeiro batido à moda dos improvisadores. Os trinados da flauta surgem junto ao som do violão... Nordeste em forma de música popular.As três primeiras faixas de Tear não fazem jus às outras. Elas soam como tentativa de criar o som que pretensamente atingirá a juventude... Ora, o que a galera quer é Zeh Rocha fazendo o que mais sabe fazer: modernizar o som nordestino, mas sem embaralhá-lo com samplers destituídos de compromisso com a música que ele traz nas veias. Zeh Rocha é João Donato, é Lenine, é Chico César e é Gilberto Gil. É a irreverência do cantador e o improviso do repentista. E fez um CD digno do grande instrumentista que ele de fato é; criou melodias e letras que deixam vislumbrar um futuro promissor para mais este grande nome que Pernambuco dá ao Brasil.Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4 e autor de O Gogó de Aquiles, ed. A Girafa. Seus textos são publicados semanalmente no Acontece na  no Diário do Comércio (ACSP), Meio Norte (Teresina), A Gazeta (Cuiabá), Jornal da Cidade (Poços de Caldas) e Brazilian Voice (EUA). No rádio, sempre às segundas-feiras, das 15h às 16h, "O Gogo de Aquiles" vai muito bem, obrigado. Você poderá escutá-lo (no Rio de Janeiro) sintonizando diretamente na Rádio Roquete Pinto, ou (fora do Rio) na internet: www.fm94.rj.gov.br .