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Tem sambista novo na praça


Miguel tem como característica um vozeirão que entoa notas com tanta afinação quanto delicadeza. Se, de fato, ele tem no cantar a ginga que o samba requer, mais ainda esta qualidade ressalta aos olhos em canções que levam a sua assinatura. Bom compositor, Dos Anjos soube mesclar o seu repertório autoral com músicas conhecidas de compositores já consagrados e também algumas inéditas, criadas especialmente para este seu primeiro disco.Deste último lote destacam-se as parcerias de Ruy Quaresma, ele que é também produtor, regente e arranjador do álbum com Nei Lopes: “Barravento” e “Samba da Madrugada”. Dentre as músicas de autores conhecidos, se sobressaem “Quando o Samba Acabou”, samba lento e pouco conhecido de Noel Rosa, numa belíssima interpretação de Miguel; “Ela Desatinou”, samba composto por Chico Buarque ainda no início de sua carreira, numa outra bela demonstração do talento que tem este mineiro que já brilha nas noites de Belo Horizonte; “A Nível De...”, samba malicioso de João Bosco e Aldir Blanc, para o qual, ao cantá-lo, Miguel não atentou para a necessária malandrice; “Canção do Sal”, de Milton Nascimento, que o arranjo transformou num baião bem cantado; e também “Coisas do Mundo, Minha Nega”, samba antológico de Paulinho da Viola, que traz a voz de Miguel dos Anjos em sintonia com seus inspirados versos; além do bom, porém, aqui, dispensável, “Olhos Verdes”, de Vicente Paiva.Das músicas criadas por Miguel, “Bem-Vinda Presença” é só dele; “Benção em Vida”, samba escolhido para abrir o CD, é uma parceria com Mestre Jonas; e “Esse Samba É Todo Nosso”, que empresta o título ao álbum, é dele, Mestre Jonas e Mário Roberto Ferreira.Os músicos escolhidos para a gravação são de primeira, a começar por Humberto Araújo, grande e múltiplo instrumentista de sopros – é dele a orquestração do naipe que toca em “Olhos Verdes”. Jhonson de Almeida é o trombonista, sua participação é destaque em várias faixas do CD, mais ainda no samba que abre o disco; Arimatéia Oliveira é o trompetista; Fernando Merlino é o pianista; Zé Américo e seu acordeom brilham em “Canção do Sal”; Samara Líbano toca com brilho o violão de sete cordas, principalmente em “Esse Samba Todo É Nosso”, um dos pontos altos do álbum; Zé Luiz Maia é o baixista e Jurim Moreira o baterista. Na percussão, garantindo o molho do samba, estão Ovídio Brito, Marcelinho Moreira e Gordinho; há um naipe de cordas, com quatro violinos, duas violas e um violoncelo; um bom coro: Analimar Ventapane, Tereza Quaresma e Nilze Carvalho; e a participação especial, em “Barravento”, da Companhia Dá no Coro, que conta com dezesseis vocalistas. Chamam a atenção os arranjos. Muito bem elaborados, de acordo com o repertório escolhido por Miguel dos Anjos, e ampliados por uma mixagem correta, eles dão ao CD a dimensão exata daquilo que pede a voz carismática do intérprete; dão impulso aos versos de cada letrista que emprestou suas palavras ao cantor; carregam nas tintas do samba que cada vez mais se põe no alto do pedestal da música popular brasileira – aquela que é a melhor do mundo, posto que é a mais diversificada.Com muito suingue, pleno de divisões rítmicas enxutas, bem executadas, Miguel dos Anjos faz do samba o seu dom, o ofício que escolheu como vida a ser levada. O que lhe permitiu sucessivas e bem-sucedidas performances ao longo de Esse Samba É Todo Nosso.Não tenho dúvidas: seu trabalho de compositor ainda lhe renderá muitos e belos frutos. Será por este caminho que sua carreira se expandirá rumo ao futuro. Trajetória esta que trará o devido reconhecimento ao seu grande talento de criador que, ainda por cima, tem na voz o jeito certo de mostrá-lo àqueles que dele se achegarem para escutá-lo.Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4