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Tesouro musical


O violão, coração, braços e mãos de Guinga, está sempre apto a disparar belezas quando impulsionado pela sedução da música. Suas melodias são como estradinhas na serra: sinuosas, com curvas inesperadas, e retas, com aclives e declives. Suas harmonias, tão sofisticadas, mas ao mesmo tempo espontâneas, têm o poder de surpreender a cada acorde. Sua voz... Ora, mesmo ela, hoje, está firme, pontiaguda, indo sempre ao cerne de suas criações. E as suas introduções? Meu Deus! Elas continuam sendo uma música à parte, intensos compassos com vida própria.

Maria João, sobre quem escrevi ao resenhar o CD anterior de Guinga, Porto da Madama: "De início, sua voz aparenta fragilidade. Cantando bem próxima do microfone, sua voz pequenina, quase infantil, vem sussurrada. Aos poucos, porém, evidencia que a sua voz pode e se desmembra em um, dois ou mais timbres, cantados com a emoção de quem sabe o que faz e quer". E vou além: sua dimensão vocal é extraordinária. Ela tanto soa leve quanto se agiganta. Suas interpretações podem tanto ser singelas quanto teatrais. Leve ou teatral, tudo o que lhe sai da garganta é apaixonante.

O repertório – catorze músicas já conhecidas de Guinga, o que por si só equivale a pepitas de puro ouro – é digno de um espetáculo musical, tamanha sua brasilidade. Ainda mais quando nove delas têm como letrista Aldir Blanc, cada vez mais liberto de qualquer amarra literária ou poética. Lá estão: "Simples e Absurdo", anteriormente gravada por Lucia Helena no primeiro CD de Guinga; "Sete Estrelas", já gravada por Fátima Guedes; "Canção do Lobisomem", já gravada por Guinga em seu CD Delírio Carioca; "Chá de Panela", gravada por Alceu Valença no CD Suíte Leopoldina de Guinga; e "Canibale", "O Coco do Coco", "Pra Quem Quiser Me Visitar", "Vô Alfredo" e "Catavento e Girassol", todas gravadas por Leila Pinheiro no seu disco só com músicas de Guinga.

O primor do repertório se destaca mais ainda com três canções que têm versos de Paulo César Pinheiro, o mais fecundo dos nossos letristas: "Saci", já gravada por Lenine; "Senhorinha", sucesso na voz de Ronnie Von e com a qual Guinga homenageou sua filha Branca Escobar; e "Passarinheira", gravada por Fátima Guedes no CD Delírio Carioca de Guinga. Sem contar com a participação de dois novos e criativos letristas: Edu Kneip (com "Via Crucis", gravada por Paula Santoro no CD Casa de Villa de Guinga), e Thiago Amud (com "Contenda", gravada por Guinga em seu CD Roendopinho).

Impressiona a cumplicidade do violão de Guinga com a voz de Maria João. São gêmeos univitelinos, almas irmãs, tendo "apenas" um oceano a separá-los – e a música e a língua portuguesa a uni-los.

Num CD bem gravado e mixado, Guinga reafirma ser um dos nossos maiores compositores e Maria João inscreve-se no seleto rol de suas grandes intérpretes.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4