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Um amor maduro


A (falsa) impressão é que essa gente abre seus mais íntimos pensamentos ao mundo.  Quando nos aproximamos de um autor, em carne e osso, não estamos falando com um ator, que  interpretou um personagem, com um compositor, que criou letra a música em uma peça só. Esse escritor partilha de nosso cotidiano. Senta na minha mesa, se recosta em meus travesseiros, vai ao banco, à praia, ao mercado comigo. É um caso de amor, sim, um envolvimento físico, que me isola do resto do mundo, uma paixão egoísta.  Claro que a maioria dos escritores não “fala” através de suas histórias. Os policiais, geralmente, estão fora daqueles ambientes sombrios. Eles podem conhecer os cenários, partirem de pessoas e fatos reais para montar seus enredos, mas dificilmente se entregam ao leitor como outros autores. As histórias de terror de Stephen King, por exemplo, estão longe de revelá-lo. Mas seu delicioso Sobre a escrita – A arte em memórias (Suma das Letras, R$ 39,90), que fala em processos de criação e em sua trajetória como romancista, é uma conversa aberta e direta com o leitor. 

Meu mais recente caso amoroso morreu quase vinte anos antes de meu nascimento. Descobri Stefan Zweig muito tardiamente, o que não impediu a intensidade de nossa relação. Foi graças à reedição de sua obra pela Zahar, em coleção organizada pelo jornalista Alberto Dines, que comecei a conhecer um trabalho primoroso do escritor que viveu na borbulhante Viena de Freud, Klimt e Arthur Schnitzler. O nazismo o levou a refugiar-se com a mulher em Petrópolis, onde ambos se suicidaram em 1941. Ter escolhido o Brasil para morrer já cria um laço de Zweig conosco, mas o envolvimento com seu universo acontece, principalmente, pelo trabalho primoroso em ficção e biografia. Novelas Insólitas (Zahar, R$ 49,90) traz seis exemplos do texto burilado e inebriante de Stefan Zweig. A primeira novela, Segredo ardente, vai sendo construída a cada personagem que entra em cena, contando o envolvimento de um conquistador com uma mulher casada e seu filho, um menino manipulador.  

O domínio de Zweig sobre a escrita é tal que eu conto os minutos para nosso encontro, geralmente noturno, antes de dormir. Um experiência diferente vem da leitura de Tudo que se perde, tudo que se ganha  (Gutenberg, R$ 34,90), que reúne saborosas crônicas de Clarissa Corrêa sobre aparência, autoestima e, principalmente, a luta contra o peso. Gaúcha, colunista de revistas  e publicitária, Clarissa vem na nova safra de escritoras brasileiras, que refletem o cotidiano junto a um público com quem interagem em tempo real, por blogs. Em linguagem simples, discute problemas do dia a dia de seus leitores. Um relacionamento direto, interessante, mas que não tem o grau de intimidade que se estabelece com a literatura, como Clarice Lispector descreveu.