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Um pouco além da literatura “feminina”


É desconhecida a representação feminina entre os concorrentes ao Prêmio, que, provavelmente, reflete um percentual baixo, demonstrado nas duas listas de selecionados finais. Dos 26 finalistas em Romance, só cinco são mulheres. Dos 33 selecionados na categoria Contos, há sete mulheres – entre elas, esta escriba aqui (um pouquinho sobre meu manuscrito é mencionado nesta entrevista para o programa Fora de pauta - exatamente em 3’22’’ e em 11’10’’). A proporção de mulheres entre os finalistas sempre é baixa – de todos os vencedores na história de 14 anos do Prêmio, há apenas sete mulheres, contra 17 homens (nos dois primeiros anos, só existia a categoria romance). Apenas uma vez, em 2015, mulheres ganharam em duas categorias: Martha Barcellos, com os belíssimos contos de Antes que seque (Record, R$  34,90) e Sheyla Smanioto, pelo romance Desesterro (Record, R$ 42,90). Não acredito que o número de mulheres finalistas seja fruto de uma produção literária menos qualitativa, mas apenas no número inferior de escritoras entre os concorrentes.

E por que isso acontece até hoje? Porque, embora alcancem quase a metade da força de trabalho do mundo, as mulheres ainda são – em sua grande maioria – as responsáveis pelos cuidados com a família e pelas tarefas domésticas, como mostra documento da Organização Internacional do Trabalho.  Ganham salários inferiores aos dos homens e  ainda têm que enfrentar a dupla jornada de trabalho em   casa, o que toma o tempo de criação.  

Enquanto aplaudimos e reproduzimos iniciativas para estimular a leitura de mulheres, há muitas autoras que se recusam a reconhecer a legitimidade de prêmios como o Orange, reservado a escritores do gênero feminino, exatamente quando o conceito de gênero também se encontra sob revisão. Na visão de muitas escritoras, não existe “escrita feminina”, nem livros “femininos”. A segmentação da produção literária por gênero restringiria as mulheres a um gueto.

Empilhados em minha escrivaninha/mesa de cabeceira, neste momento, vejo A história secreta da Mulher-Maravilha (BestSeller, R$  64,90), de Jill Lepore, Em águas sombrias (Record, R$ 42,90), de Paula Hawkins, As mães (Intrínseca, R$ 49,90), de Brit Bennet, Fátima – Milagre ou construção (Bertrand Brasil, R$ 39,90), de Patrícia Carvalho, e A senhora de Wildfell Hall (Record, R$ 59,90), de Anne Brönte. Todos já folheados e de leitura iniciada. Por acaso, todos escritos por mulheres. O primeiro é a biografia do criador da personagem hoje vista como símbolo feminista, centrado em sua relação poligâmica com três companheiras. Os outros são uma novela policial protagonizada por mulheres, um romance sobre decisões de adolescentes e seus desdobramentos na maturidade, o aproveitamento midiático do relato de aparições da Virgem Maria para três crianças, em 1917, no interior de Portugal, e um clássico que mostra uma proprietária rural desafiando a sociedade britânica, nos anos 1820, administrando suas terras sem auxílio de homens. Um pouco além do que se imagina como “literatura feminina”, não?