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Uma pilha de tsundokus


Mal comecei a escrever esta coluna, abri e li, de enfiada, O árabe do futuro (Intrínseca, R$ 39,90), de Riad Sattouf, que fala sobre a infância do autor, filho de pai sírio e mãe francesa, que viveu, na primeira infância na França, o Líbano e a Síria. Os constantes choques culturais, a disparidade social entre os países árabes e a Europa são experimentados por uma criança em constante aprendizado das normas locais nesta graphic novel autobiográfica, que terá continuação em outro volume. 

Enquanto o jovem Riad aprendia a odiar o estado de Israel, era lá que crescia Etgar Keret, que em Sete anos bons (Rocco, R$ 24,50) fala sobre a vida num país em perene guerra com os vizinhos, apresentando sua própria trajetória e a de sua família. O nascimento do filho, no mesmo hospital que atende os feridos num grande atentado, a religiosidade de sua ultraconservadora irmã, mãe de onze filhos, os traumas de seus pais, sobreviventes da perseguição nazista durante a Segunda Guerra Mundial são alguns dos relatos que mostram a convivência de um povo que aprendeu a conviver com o constante estresse causado pela violência.

Ninguém transa às terças-feiras (Bertrand Brasil, R$ 28), da britânica Tracy Bloom, conta o dilema de Katy, grávida aos 36 anos, que desconhece se o pai da criança é o namorado oito anos mais jovem ou uma antiga paixão, com quem teve um único encontro amoroso, na mesma época da concepção de seu filho. Claro que o ex-amor volta, casualmente, a seu convívio, e também está prestes a ser pai de gêmeos, com outra mulher. Uma chick lit que lida com questões como a primeira gravidez de uma mulher já profissionalmente realizada, a maternidade sem o compromisso paterno e outros dramas da vida urbana ocidental
contemporânea.

Problemas semelhantes eram enfrentados, há 300 anos, por muitas mulheres. Uma delas foi imortalizada em Moll Flanders (Cosac Naify, R$ 59,90), cujo subtítulo explica detalha o teor deste clássico de Daniel Defoe:  “Que nasceu na prisão de Newgate, e ao longo de uma vida de contínuas peripécias, que durou três vintenas de anos, sem considerarmos sua infância, foi por doze anos prostituta, por doze anos ladra, casou-se cinco vezes (uma das quais com o próprio irmão), foi deportada por oito anos para a Virgínia e, enfim, enriqueceu, viveu honestamente e morreu como penitente”.

Por coincidência, esta semana comprei Um diário do ano da peste (Artes e Ofícios Editora, R$ 43), em que Defoe aborda o surto de peste bubônica que assolou Londres em 1665 – quando ele próprio tinha quatro anos de idade.  Enquanto Moll Flanders, segundo especialistas, representaria as agruras infringidas ao escritor como preso político – ele chegou a ser exposto no pelourinho -, o Diário é um dos mais antigos exercícios de jornalismo literário conhecidos. Li o primeiro muito jovem e, ao percorrer os dois textos, rapidamente, já sinto a força do estilo de Defoe, considerado o criador do romance moderno.

Sobre o policial A Caça (Record, R$ 55) e o estudo Geografia da Música Carioca (Muriqui Livros, R$ 34 ) escrevo depois. Mesmo aboletados sobre os demais tsundokus, merecem uma análise mais profunda que uma simples menção. Na outra semana, quem sabe, antes que cheguem novidades que os soterrem sem uma boa olhadela...