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Venha saborear Martinho da Vila


A gravação do DVD/CD O Pequeno Burguês (MZA) começa. Paira no ar um jeitão de festa no quintal. O compositor, com jeito folgazão, tem no rosto a marca do sorriso farto iluminando as rugas da vivência. E, com a desenvoltura de um enobrecido artista popular, fala com a platéia como se ali estivessem amigos prontos a serem de infância: “Eu queria botar vocês dentro da minha história”. E começa a cantar como se contasse histórias. A capella, ou só acompanhada do seu pandeiro, sua voz entrecorta as sílabas. Seus graves soam emocionados. Sua música se desdobra. Entram Ovídio Brito, com pandeiro, e Wanderson Martins, com cavaco. A sala de visitas ganha ares de roda de samba. Martinho canta “Casa de Bamba”, antes de mandar “Pra Que Dinheiro” e “Pequeno Burguês”. E logo vem “Quatro Séculos de Modas e Costumes”, samba-enredo cadenciado com o qual a Vila Isabel tinha certeza de que venceria o carnaval daquele ano distante. Mas veio a chuva e arrastou para o bueiro o título que parecia no papo. Para exorcizar o drama, Martinho criou um belíssimo samba, “Madrugada, Carnaval e Cinzas”. De nada adiantou, o moral da Vila estava no pé. Após cantar este samba, convida seu filho Tonico para a roda. Com seu atabaque, o moço senta logo atrás do pai. E os três músicos acompanham o admirável samba-enredo “Yayá do Cais Dourado”. A sala do Martinho recebe agora Gabriel de Aquino. Filho de João de Aquino, o garoto causa arrepio com seu violão no estupendo solo de “Ex-Amor”. A seguir, acompanhado apenas do violão de Gabriel, Martinho canta o que talvez seja a música mais bela do show, “Jaguatirica”. A sua interpretação para esta canção é emocionante. Sem dúvida, o momento musical mais alto do espetáculo. E a roda se abre para que Mané do Cavaco entre e sole “Carinhoso”, de Pixinguinha e João de Barro. Gabriel o acompanha. Trazendo o pandeiro, chega Paulinho da Aba e manda “Na Aba” e “Agora É Moda”. A essa altura, feliz, Martinho José Ferreira da Vila tem o público de alma e coração cativos de seu sorriso.  Outras músicas ainda vêm para comprovar que a trajetória de Martinho merecia de fato um DVD/documentário feito este: bem cuidado no som (muito bem gravado!), no cenário (com gravuras e capas de Elifas Andreato!) e na luz (coisa de cinema!).E a sala se fecha com Martinho, agora cantando de pé, mandando bem “Tom Maior”, samba que encerrava a roda de samba criada pela saudosa Tereza Aragão no Teatro Opinião, no Rio de Janeiro, isso num tempo em a ditadura acabara de mostrar sua cara sombria: “Vai ter que amar a liberdade/ Só vai cantar em tom maior/ Vai ter a felicidade de ver o Brasil melhor”. Feito muitos rios que se somam, a vida de Martinho da Vila segue em busca de um mar que acolha e amplifique sua música feita de verdades.Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4