VIDA CRÔNICA - Viver é...
Viver é...
Lembram-se do tempo do selinho “Amar é...”?
É anterior aos emojs, memes, bonequinhos e figurinhas românticas, engraçadas ou raivosas que funcionam agora como ilustrações ou reações diversas nas redes sociais.
Tinham umas assim: “Amar é... não perder a paciência, compreender as fraquezas do outro, corresponder aos sentimentos, cuidar da saúde dele ou dela, não se esquecer de elogiar sempre a ele ou a ela, participar de tudo o que o outro faz”, assim por diante.
Não lembro se Millôr Fernandes ou Ivan Lessa, mas um dos dois gênios cravou no “Pasquim” – aquele jornal que tanto nos ajudou a atravessar ondas horríveis – : “Amar é... não estar pra peixe”.
Ou seja: ontem ou hoje, amar é não perder o bom humor.
Mas tem sido difícil, muito difícil, amar ou viver (verbos primos-irmãos entre si) mantendo o humor nosso de cada dia, tentar ser peixe nessas águas.
Partindo do princípio de que para amar é preciso estar vivo (nos dias atuais uma aventura das mais perigosas), digamos que a lição de amor que podemos dar a nós mesmos e ao próximo é o empenho na luta para estar de pé, inteiro, ereto, digno. Mesmo sabendo que muitos não conseguem pelo simples fato de que é quase impossível manter a postura com a barriga vazia; a mente atrofia e o corpo verga.
Então, como poetas, charlatões, enamorados, esperançosos e até perdidos concordam que a vida “sempre vale a pena”, tenhamos um ligeiro “viver é...” para consumo básico que pode nos ajudar, pelo menos, a ter o conforto de repetir que “a alma não é pequena”, pois ela faz com que nossa aleatória existência não seja apenas ilusão.
Poetas dizem coisas bonitas sobre a vida, nilistas cravam sentenças definitivas (Viver é uma merda!), imediatistas dão receita (É um sorvete, aproveite antes que derreta), Rosa argumentou que “é muito perigoso” e Sabino foi otimista: “No fim, vai dar certo; se não deu certo é porque não chegamos ao fim”.
Mas antes do fim há o meio. E é nele que muitos de nós estamos (independente do tempo que falte para cada um puxar o sinal no ônibus), mantendo alguma esperança de construir dias melhores para nossas vidas. Não é cascata de autoajuda, porque se entendesse do assunto já teria me autoajudado em tantas décadas de bateção de cabeça na busca do entendimento mínimo e possível do que é a vida, que porra é essa, e, especialmente, porque ela nos leva inevitavelmente para a morte.
Digo que não aprendi a viver. Mas aprendi a ler. Por isso, mesmo em tempos modernos, me socorro da poesia de uma mulher nascida em “tempos rudes” e que diz, em poucos versos, o que gastei tanta prosa para não dizer.
Diz aí, Cora Coralina:
A vida tem duas faces:
positiva e negativa.
O passado foi duro
mas deixou o seu legado.
Saber viver é a grande sabedoria
que eu possa dignificar
minha condição de mulher,
aceitar suas limitações
e me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo.
Aprendi a viver.