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Contos da vida absurda


O rapaz entrou em casa como quem entra no bar. Sentou em uma cadeira e estirou as pernas sobre o tamborete. Pegou a garrafa de cachaça no móvel ao lado da mesa e um copo na bandeja cheia de copos que ficava ao lado da garrafa. Serviu-se e tomou duas doses, uma seguida da outra, depois acendeu um cigarro. A sala estava na penumbra, iluminada apenas pela luz azulada da televisão que o pai assistia. O clarão do palito de fósforo iluminou o rosto do rapaz e o pai observou que ele tinha a barba por fazer. O pai viu que os sapatos do rapaz estavam sujos, largando tufos de terra sobre o tamborete, mas não reclamou. Apenas perguntou você vai mesmo e ele disse vou. (A viagem).

“Uns pelos outros, Pimentel mantém sua qualidade de contista que já deveria estar presente nas inúmeras antologias que se publicam por aí. Seu conto A viagem (presente neste livro de contos merecidamente premiados) é, para mim — que conheço bastante volumosamente os contos brasileiros —, um dos cem melhores contos já escritos entre nós. Poucas vezes li conto mais comovente e sempre achei que o conto bom é aquele que comove o leitor. Qualquer tipo de comoção. A deste conto é dilacerante. Por falar em comoção, Pimentel perpetrou também uma pequena coleção de poemas reunidos no As miudezas da velha, que também têm esta qualidade: a da comoção irresistível.”
                                                                    Ziraldo