Loading...

“NOVA IGUAÇU - POR ONDE A POESIA PASSA”


(Posfácio escrito para a coletânea publicada em 2014)


Em meados da década de 1970 a poesia já fervilhava pelas ruas de Nova Iguaçu. A Revista Equipe, dirigida por Adalberto Cantalice, editada por Jocenir Ribeiro, tendo como colaboradores Enock Cavalcanti, Luis Ferrão e Jô Vitorino, assumia uma nova linha editorial abrindo espaço para a poesia e artistas locais. Por ela ocorreu a publicação dos poemas inéditos de Antonio Fraga, fato esse que desencadeou sua volta ao cenário nacional, sendo publicada uma matéria sobre o poeta no suplemento “Caderno B”, do Jornal do Brasil.


Com o decorrer dos anos novos grupos e publicações foram surgindo, tais como o Grupo Tangerina, integrado por Thadeu Ferreira e Idicampos; Revista Gruta; Poemarte (do poeta Jorge Cardozo); Revista Amplitude (do SESC); Revista Nosso Jeito (dos irmãos Eduardo e Enock Cavalcanti), tendo como patrono Antônio Fraga; Jornal Teia, fundado por Adalberto Cantalice e Moduan Matus; Grupo Caco de Vidro (Idicampos, Heitor Neguinho, Dejair Esteves, J.A. Lima e Moduan) e ainda o Grupo Calabouço, que apresentou o evento “I Encontro das Artes”, no Colégio Afrânio Peixoto.


A poesia continuava a dar seus mirabolantes voos pelos bares, Casa da Pantera, praças e outras estações orbitais. Poetas de outras galáxias apareciam para dar canjas, destacando-se Flávio Nascimento e sua caixinha de cinema; Samaral e seus poemas sonoros; Zé Cordeiro e seus pop's-repentes; o coletivo Panela de Pressão e seus provençais-melopeicos unindo música e poesia (Jênesis Genúncio, Antônio Branco, Sidnei Cruz, Lúcio Celso Pinheiro, Euclides Amaral e Mário Chagas, entre outros); grupo Passa na Praça Que A Poesia Te Abraça (Douglas Carrara, Sérgio Alves, Antonio Feitoza e João Batista) e Luiz Renato com seu Cardápio Poétiko, só para citar alguns, já que a lista seria maior que a Constelação de Andrômeda.


As coletâneas começaram a surgir na década de 1980 como a “Feira-Livre - Dez Autores Iguaçuanos”, publicada pela Copy & Arte, de Jocenir Ribeiro, mesclando e liquidificando gente nova com pterodáctilos-efervescidos de tempos imemoriais, entre eles Walter Faria Pacheco, Decy Ribeiro, Laís Sá do Amaral, Cirino Neto, Moduan, Luiz Coelho Medina e outros vates de plantão. A “Antologia de Poetas da Baixada Fluminense” (26 Poetas Baixadenses) lançada por Gladstone Accioly e Cristina Siqueira, com o apoio da Rioarte, é desta época, tendo também a colaboração do poeta e pesquisador Moduan Matus, persona indispensável como consultor de Leila Míccolis, Heloísa Buarque de Hollanda e a este que vos escreve, além de outros que queiram desfrutar de seu magnífico acervo sobre a cultura da Baixada, principalmente da cidade de Nova Iguaçu, de onde é oriundo e tem seu QG, nada secreto, sempre cheio de poetas, atores, contistas, historiadores, músicos, pesquisadores a varejo e convidados para os ritos dionisíakos de libações a Baco e comilanças esporádicas, sempre regadas à amizade e poesia.


No início da década de 1990 a agitação passou pelo Daniel's Bar, banker onde se discutiam direitos difusos e infungíveis inerentes à humanidade, tendo como gancho os acontecimentos da época, os interligado com declamações e papos reluzentes sobre literatura e MPB e ainda os “Encontros com a Poesia”, na Casa de Cultura de Nova Iguaçu e na Praça José Hipólito. Por esta época, em 1991, surgiu o zine “Desmaio Públiko” reunindo novos poetas e outros da era glacial, editado pela chancela Vício & Verso, capitaneado pelos poetas Cézar Ray e Eud Pestana. A Vício & Verso, de cunho, capital e contrato social mirabolantes, além de publicar o “Desmaio Públiko” lançou os livros “Poesia de final de milênio” e “Os fios estão em todas as partes”, ambos de Moduan Matus; “Ad nutum” (Marlos Degani); “Presente” (Alcides Eloy) e “Poemas sujo de um velho”, do poeta niteroiense Lobo.


Em 1997 ocorreu o lançamento do livro “Anos 90 – Poetas na Baixada – Coletânea do fanzine D. P.” (com alguns poemas dos 66 números iniciais) contando um pouco da trajetória da rapaziada que orbitava o grupo Desmaio Públiko, que a esta altura do campeonato já era visto e assumido como um grupo de poesia, mesmo que muita gente nem se desse conta disto. Neste mesmo ano, de 1997, surgiu “Poesia & CIA”, zine que estampava uma nova geração de poetas inspirados no “Desmaio Públiko”, encabeçado pelos poetas Thiago Mattos, Leon Sake e Daniel Cedrak. Dois anos após, em 1999, o rapper Dudu de Morro Agudo e o ator Luiz Carlos Dumontt idealizaram o Movimento Enraizados, responsável por lançamentos de livros, discos e filmes, sendo o coletivo mais ligado à cultura hip hop e seus principais desdobramentos: o grafite, sua linguagem visual como artes plástica urbana; o break, sua linguagem corporal, e o rap (rhythm and poetry) envolvendo o DJ e o MC, sua expressão poética. No ano posterior, em 2000, o casal Moduan e Sil fundou o Bar Raízes, estação orbital da discussão e pancadaria intelectual em prol da poesia e outras petecas-diáfanas, como o lançamento da coletânea “XXI Poetas de Iguassú”.

No ano de 2003, Nélson Freitas, Secretário de Municipal de Cultura e Turismo de Nova Iguaçu, criou a “Bienal do Livro de Nova Iguaçu”, na qual o Café Literário foi uma das principais atrações com apresentações de poetas e grupos locais, além de convidados do nível de Eduardo Bueno, Jorge Mautner, Guinga e Carlos Heitor Cony. Neste mesmo ano, Cézar, Sil, Lírian, Eud, Moduan e outros centauros da poesia galoparam no evento “Ecos da Baixada”, no SESC Nova Iguaçu; deram piruetas-poétikas por vários points de poesia no Estado do Rio de Janeiro, sempre pulverizando versos, infernizando e descabelando poesia. O Desmaio Públiko funcionou e funciona, ainda em 2014, como catalisador e em torno dele foram surgindo novos grupos como o Decúbito Dorsal (Júnior, Eloy e Cézar) e Regurgito Poétiko (Marlos & Monir), além de novos zines como o “Entre Linhas”, da poeta Ivone Landim.


No ano de 2005 outra ala do D.P, desta vez a mais cheirosa, apresentou-se na inauguração do Espaço Cultural Sylvio Monteiro, no “Dia da Mulher”. O evento, realizado pela Secretaria de Cultura com o apoio da FENIG (Fundação Educacional e Cultural de Nova Iguaçu) e Coordenadoria Especial de Políticas Para a Mulher, apresentou as poetas do Desmaio Públiko Feminino (Sil, Lírian Tabosa, Ivone Landim, Josy Louzada e Kátia Vidal, entre outras). Ainda em 2005 Marlos, Cézar, André Alasf, Eud, Macedo Moraes, Eloy, Lírian e Moduan Matus apresentaram-se regularmente no Espaço Cultural Sylvio Monteiro, em projeto da Secretaria de Cultura, na gestão da Comissão de Secretários, composta por Roberto Lara, Jorge Cardozo, Daniel Guerra e Lino Rocca.


Pelos idos de 2008, idealizado por Ivone Landim, seria criado o grupo literário Pó de Poesia, integrado por Jorge Medeiros e Márcio Rufino e o músico Dida Nascimento, mais tarde foram incorporados Arnoldo Pimentel, Camila Senna, Felipe Mendonça, Aline Corssais, Dóris Barros, Valéria Assis, Anderson Leite Lima e Idimarcos, além do ator Ramide Beneret e da artista plástica Gabriela Boechat, por se tratar de um grupo multicultural.


Em 2011 outro evento, mais precisamente o sarau mensal “Encontro de Poetas & Afins”, foi criado por Moduan e Sil, recebendo na Casa de Cultura de Nova Iguaçu e no Botequim Estação Floresta vários aedos para lançamentos de livros e apresentações, entre os quais Ele Semog (anagrama de Luís Gomes), Diogo Aguiar, Alcydinei Santos, Vagner Vieira, Aline Cardoso, Ronaldo Calazans, Gambiarra Profana, Folha Cultural Pataxó, Luiz Cantalice, Iverson Carneiro, Almir Silvícola, Cristiano Pinto, André Luz, Cris Amaral, Henrique Souza, Sérgio Fonseca, Meire Oliveira, Sérgio Salles Oigers, Claudina Oliveira, Victor Loureiro, Éder Rodrigues, Marina Coufals Sena, Alexandre Bollmann, Mané do Café, Jorge Rocha, Antônio Paullista, Léo Rossetti, Almeida dos Santos, J. Marujo, Celso Felizola, Mauro Vasconcelos, Cláudia Miquelloti, Deise Freitas Addia, Thiago Kuerques, Fabiano Soares, Rosilene Jorge, além da nossa poeta-mascote Marília Matos.

Como o vento das novas possibilidades vive levantando a aba do chapéu da poesia, em 2013 surgiria na cidade, essa caldeira-poétika-efervecente, o “Sarau V”, fundado por Janaína Tavares e Gabriel Ferrão, juntando-se a eles Mateus Carvalho, Diego Ferrão e Paulo Igor, goliardos-poétikos em declamações mensais na Praça dos Direitos Humanos, no burburinho da cidade. Neste mesmo ano, o rapper Dudu de Morro Agudo criou o “Sarau Poetas Compulsivos”, segundo o próprio:

 

“Com o objetivo de reunir pessoas que não conseguem parar de produzir, ler e/ou recitar poesias.”

 

Com agitação mensal, no Espaço Enraizados em Morro Agudo, o ethos do sarau é a diversidade de participantes, a integração de gerações de artistas da região e a mistura de músicos, atores, jornalistas, autores, poetas, skatistas e rappers. Ainda em 2013 foi criada por Gisela Barros, Anderson Leite Lima e o músico e compositor Marcelo Peregrino a primeira SAT (Semana das Artes em Tinguá), com o apoio do Secretário de Cultura Wagner D´Almeida e de diversas entidades locais, apresentada entre 14 e 17 de novembro e reunindo poetas, artistas plásticos, atores, dançarinos, oficineiros, griots e músicos.


Eu estive presente em muitas destas fases e agitações, que em 2014 deságuam neste belo trabalho do poeta Anderson Leite Lima, contemplando assim, uma parte da produção poética da cidade na coleção “NOVA IGUAÇU - POR ONDE A POESIA PASSA”, apoiada pela FENIG. Eis o primeiro volume!


Euclides Amaral (poeta-letrista e pesquisador de MPB)