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Os sonhos de Bárbara


Muitas mulheres são significativas para a história política e cultural do país, por exemplo, Beatriz Ferrão, a primeira musicista e pianista brasileira nascida em 1792 em Minas Gerais e bem anterior à carioca, sempre reverenciada, Chiquinha Gonzaga (1847/1935); Anita Garibaldi (Santa Catarina 1821/Roma 1849), braço direito do marido, o revolucionário italiano Giusseppe Garibaldi, na Revolução Farroupilha de 1835; as paulistas Anita Malfaltti e Tarsila do Amaral, duas agitadoras da pintura pré-Modernista e a antropofágica escritora paulista Patrícia Galvão. Na década de 1970 a niteroiense Leila Diniz modificou conceitos femininos sem queimar um único sutiã. A baiana Mãe Menininha do Gantois fez a cabeça de Jorge Amado, Dorival Caymmi, Vinicius de Moraes, Maria Bethânia e Gilberto Gil, entre outros desse quilate. A cearense Raquel de Queiroz destaca-se por suas mulheres de fibra, e tão femininas, que povoam seus romances. Contudo, que me perdoem as outras, nenhuma é mais importante para a história desse país quanto Bárbara de Alencar.


Nascida em Exu, Pernambuco, em 11 de fevereiro de 1760 Bárbara Pereira de Alencar foi casada com o capitão português José Gonçalves dos Santos, com o qual teve os filhos Tristão Gonçalves Pereira de Alencar (1789), José Martiniano de Alencar (1794), pai do romancista José de Alencar, Carlos José dos Santos e Joaquina Maria de São José. Mas seria no Ceará que ela se destacaria como a primeira revolucionária brasileira. Ao lado do filho, o Diácono José Martiniano de Alencar (depois Senador do Império), liderou no Crato um braço da Insurreição Pernambucana de 1817 (que teve Domingos Martins como um dos seus principais articuladores) proclamando a Independência do Brasil e a República do Crato em 3 de maio. Durante oito dias Bárbara de Alencar foi a presidente do Crato. A revolução foi reprimida pelo Conde dos Arcos, a mando do jovem D. Pedro. Bárbara fugiu para a Paraíba, onde foi presa e enviada para a cidade de Icó, mais tarde para Fortaleza, sendo trancafiada no Forte de Nossa Senhora da Assunção, onde foi torturada e logo depois transferida para Recife e Salvador. Libertada em 17 de novembro de 1820 viu falecer os filhos Carlos e Tristão no ano de 1824 na Confederação do Equador, revolução que se propagou pelas províncias nordestinas. Faleceu em 28 de agosto de 1832 na cidade de Touro, no Piauí. Sua cela, localizada no centro histórico de Fortaleza, sempre foi muito visitada por turistas e historiadores. Reconhecida postumamente recebeu diversas homenagens através dos anos, como a de ter dado nome ao Centro Administrativo do Governo do Ceará (Centro Administrativo Bárbara de Alencar). Também foi fundado o CCBA - Centro Cultural Bárbara de Alencar, em Fortaleza, no qual em 11 de fevereiro de cada ano são entregues a três mulheres a “Medalha Bárbara de Alencar”, por suas ações em prol da sociedade. Na Praça da Medianeira, na avenida Heráclito Graça, existe uma escultura sua, além de rua com seu nome no centro de Fortaleza e ainda uma instituição de ensino na mesma cidade.


Trecho do depoimento atribuído à Bárbara de Alencar:


“Quem me pedirá contas de meus atos?
meu marido, meus filhos, o meu Ceará?

Quem combate o bom combate não sucumbe.
Eu colho na derrota toda a minha vitória.”


O cantor Luiz Gonzaga sempre a reverenciava em shows na cidade de Cariri, onde Bárbara iniciou suas ações revolucionárias. O cantor e compositor cearense Ednardo lançou em 1976 o LP “Do boi só se perde o berro”, lhe prestando homenagem na música “Passeio público”, da qual destaco os seguintes versos:


“Hoje ao passar pelos lados

das brancas paredes do forte

escuto ganidos de morte

vindos daquelas janelas

é Bárbara, tenho certeza

é Bárbara, sei que é ela

que de dentro da fortaleza

por seus filhos e irmãos

joga gemidos no ar

que sonhos tão loucos

foi Bárbara sonhar”


Segundo o etnólogo Luís da Câmara Cascudo:


“A revolução de 1817 foi a mais linda, inesquecível, arrebatadora e inútil das revoluções brasileiras.”


Para o professor Chico Alencar a insurreição teve significância singular:


“Mesmo com o grande fracasso, a Revolução Liberal Pernambucana de 1817, nos seus 75 dias, foi o mais longo e mais importante precursor da independência.”

Euclides Amaral é poeta e pesquisador de MPB

Referências bibliográficas sobre o tema:

 

ALENCAR, Francisco; CARPI, Lúcia e RIBEIRO, Marcus Venício. História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico S/A, 2ª edição, 1981.

AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed. Esteio Editora, 2010.

ARAÚJO, Ariadne. Bárbara de Alencar. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, [S.D].

EDNARDO, “Do boi só se perde o berro” LP – Gravadora RCA Victor, 1976.

BRANDÃO, José Carlos. Poema “O cárcere de Bárbara de Alencar” In O sangue da terra. Ceará: Secretaria de Cultura do Ceará, 2010.