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Sobre o amor quando não há amanhã


A edição brasileira de Um amor (Autêntica Contemporânea, R$ 46,90), da espanhola Sara Mesa, repete na capa a pintura de Gertrude Abercrombie que estampou o livro na Espanha. Uma mulher jovem caminha num local desolado, à noite. O quadro é de 1945, a novela só surgiu em 2020, um sucesso de vendas adaptado para o cinema pela premiadíssima Isabel Coixet. Mesmo sem qualquer referência a inspirações pelos trabalhos melancólicos de Abercrombie, o romance de Sara Mesa começa a ser contado naquela capa que expressa a angústia e o incômodo da tradutora Nat, radicada num lugarejo do interior espanhol – que poderia situar-se em qualquer recanto bem distante das metrópoles.


Nat é, claramente, um ser urbano, em fuga de seu próprio destino. Cometeu um delito e, mesmo sem punição, decide trocar a carreira por um ofício solitário, a ser exercido em qualquer lugar. Aluga uma casa simples, com infiltrações e goteiras, de um proprietário bruto e amedrontador. Junto com a casa vem um cachorro tão desengonçado quanto o imóvel.

Ao libertar-se de um passado pouco confortável, a protagonista é gradualmente acossada pela realidade árida que a cerca. Embora relutante em abandonar sua solidão, na qual estabeleceu uma ocupação profissional, mas não o respeito dos vizinhos, ela acaba se relacionando com os moradores e fazendo autodescobertas que a rotina agitada não lhe permitia perceber. A primeira é o fato de, ao se aproximar dos 40 anos, haver perdido o poder de atrair qualquer homem e ter que se contentar com a amizade sincera de um hippie metido a artista plástico, criador de coloridíssimos mosaicos de estética nem sempre agradável. Acaba se apaixonando por um parceiro sexual, forasteiro como ela própria, que não caiu nas boas graças de boa parte do povoado.


A localidade se apresenta como um personagem que rodeia Nat, sem oferecer qualquer encanto natural, e se mostrando traiçoeira como o cachorro magrelo que o locador deixou a seus cuidados. A hostilidade cerca a tradutora, que desiste de sua própria arrogância acadêmica, pronta a abraçar uma vida simples, plantando uma horta e um jardim que resistem a crescer na aridez daquele solo.


O simbolismo é tão claro nesta narrativa quanto a ingenuidade — ou teimosia — da protagonista. O lugarejo de La Escapa a aprisiona, os problemas rastejam em torno dela, que só poderá buscar uma saída se for enxotada daquela comunidade. Para justificar sua incapacidade de se mover, ela se apega ao idílio amoroso tão frágil quanto a vegetação rasteira do lugar.

Com uma carreira sólida e reconhecida na Europa, só agora Sara Mesa chega ao Brasil. É bem o momento para lançar outros de seus títulos por aqui, muitos tratando da solidão na contemporaneidade. Em entrevistas, Sara Mesa afirma acreditar que apesar das mudanças na sociedade, principalmente em termos profissionais, ainda se vive sob a ilusão do mito do amor romântico e quem não mantém um casamento monógamo é fracassado, dilema experimentado por Nat, em Um amor.