Loading...

Menina Gal

Desenho de Carlos Amorim


“Toda Bahia chorou, toda Bahia chorou...”, dizem os versos iniciais do bonito e comovente samba do compositor Abadá Capoeira. Choram a perda do grande Mestre Pastinha (Vicente Ferreira, morto em 1981), que “foi embora, Oxalá quem o levou / Lá pras terras de Aruanda / Mas ninguém se conformou”.


Lembrei-me do samba e da Bahia nesta manhã de 9 de novembro, quando acordei com a notícia da morte súbita dessa estrela de primeiríssima grandeza. Um musical que marcou época no teatro baiano, escrito e dirigido por Deolindo Checcucci, no momento em que nossa baianinha já marcava época nos palcos do mundo, lembrava que “Nosso céu tem mais estrelas”. Mas cada uma que se apaga faz uma falta doida e doída.


Claro que, além de fatal, Gal era universal e sua partida entristeceu milhões de admiradores de sua voz doce e cristalina, de dicção perfeita, em cujas interpretações não se perdia uma palavra sequer (a primeira vez que um poema escrito noutra língua me emocionou, foi quando a ouvi cantando “London, London”, de Caetano Veloso. Lembro que não entendia uma palavra da letra, mas a sonoridade e a voz de Gal conseguiam me embalar até no idioma de Shakespeare).


Um dia antes, ouvi mais de uma vez a música que despertou minha paixão inicial pela voz de Gal e pelas criações dos conterrâneos tropicalistas: “Mãe Coragem”, de Caetano Veloso e Torquato Neto – que só não era baiano porque nasceu no Piauí, por descuido, e que completa 50 anos de morto um dia depois da morte de Gal, no dia 10 de novembro (o que isto significa? Nada, o que em certos acasos é tudo).


Eu sei. É preciso aprender inglês. É preciso saber o que eu sei. E o que eu não sei, baby? Não sabia, por exemplo, que jamais sentiria tanto a morte de uma pessoa de quem nunca estive perto.


Aliás, estive. Uma vez. Pertinho:


Temporada de Verão na Bahia, Teatro Vila Velha, janeiro de 1972 ou 73. O show era de Gil, mas na plateia estava metade do meu sotaque. Na frente, Caetano; atrás, Tuzé de Abreu; à minha esquerda, Wally; à direita... Gal! Cabelos revoltos, olhar que só via o palco (o meu só via ela), blusinha quase nada, além daquele decote que aparece nas capas dos discos “Índia” e “Fatal” (lembram?)


Ah, Gal, que fora e é tantas. Que cantava em tantas escalas, módulos, nuances e falsetes. Ah, baby. Hoje a alegria desafinou, coisa que sua voz nunca o fez.


Setenta e sete aninhos. Tão menina.


(Desenho de Carlos Amorim)