Não tem tradução
Liberino pegou o ônibus da Itapemirim, em Riachão do Jacuípe, e desembarcou na Rodoviária Novo Rio. O 172 o levou até Copacabana, onde morava um primo, porteiro de prédio na Ayres Saldanha.
Baiano disposto, o recém-chegado à Cidade Maravilhosa tinha segundo grau incompleto, boa saúde e um sorriso envolvente. Logo arrumou emprego no prédio ao lado, ficou uns dias na muda e depois começou a bater asas pelos arvoredos mais quentes que proliferam no bairro.
O sorriso envolveu Letícia, também baiana, de Senhor do Bonfim. A conterrânea trabalhava “por ali”, vendendo produtos Avon; também cantava e dançava um pouquinho, “música de respeito, em casa bem frequentada no turno noturno”.
Liberino se apaixonou.
Um dia ele conheceu o bar Bip Bip, na Almirante Gonçalves. Tomava batidinha de maracujá, jogava conversa fora com o dono da casa, a quem já tratava de “Alfredinho”, e pedia música na roda de samba ao Paulinho do Cavaco e ao Chiquinho Genu.
Ficou íntimo da turma:
– Toca aquela do Caymmi.
– Qual?
– Qualquer uma. É tudo bom.
Tinha bom gosto, o sacana. Tivemos certeza no dia em que apresentou a Letícia. Mario Neto atravessou no tamborim, Thibau engasgou com o uísque, a percussão em peso fez Uuuuuuhhhhh!
Liberino não se fez de rogado, tratou de apresentar a prenda:
– É o amor da minha vida! Pretendo casar com ela, ter filhos.
Alfredinho ressuscitou o pigarro dos tempos de fumante e segredou com o novo amigo:
– Espera um pouco. Conhece melhor a moça, pede a ela para te apresentar o local onde trabalha.
Letícia mostrou as instalações do futuro Museu da Imagem e do Som, na Avenida Atlântica:
– Era aqui. Chamava-se Help! É inglês, sabe? Mas agora vai ser só de música brasileira... Eu prefiro.
Liberino sorriu, franco e sincero:
– Entendo e compreendo, claro...
O amor é assim, meu rei: não tem tradução.