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Pedro Carneiro – Antes que a Memória me Esqueça

foto: divulgação


O Sesc Madureira tem o prazer de convidar para a exposição “Antes que a Memória me Esqueça”, com aproximadamente 40 obras – pinturas, vídeos e fotografias – de Pedro Carneiro, artista nascido no Rio de Janeiro em 1988. Com curadoria de Raphael Couto, e textos críticos dele e de Clara Machado, a mostra irá ocupar os espaços expositivos do térreo da instituição.


Os trabalhos de Pedro Carneiro partem de sua memória pessoal, principalmente em torno das matriarcas de sua família: as avós materna e paterna, que moravam juntas com as tias do artista em Oswaldo Cruz, bairro vizinho a Madureira. A morte da avó Ridete, em 2023, e a isquemia sofrida pela outra avó, Luiza, provocaram no artista uma urgência em registrar suas memórias. O curador Raphael Couto observa que a exposição “fala de afetos, de vínculos”. “Celebra o matriarcado de duas avós que decidem compartilhar uma casa, celebra a mãe que repete a feijoada de São Jorge, celebra os silêncios”. Pedro Carneiro ressalta: “Ainda que sejam relacionadas a minha memória, tento encontrar um lugar familiar na memória de todos que vejam meus trabalhos”. “Mesmo quando eu partir, eu quero que algumas coisas sejam lembradas. A memória é frágil, ela pode se perder, mas resistimos e queremos que ela persista o máximo de tempo possível”.


O artista tem participado de exposições coletivas importantes, como “Carolina Maria de Jesus: Um Brasil para os brasileiros” – apresentada no IMS Paulista entre setembro de 2021 a abril de 2022, e depois em itinerância em Sorocaba e São José do Rio Preto, em São Paulo, e no Rio de Janeiro, onde esteve no Parque Madureira, em 2022, na Ocupação MAR, e no Museu de Arte do Rio (MAR), de junho a novembro de 2023. No MAR, Pedro Carneiro integrou também a mostra “Um Defeito de Cor” (2022/2023), que depois foi apresentada no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab), em Salvador. Entre outras coletivas, também participou de “Parada 7”, no Centro Cultural Hélio Oiticica e Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio de Janeiro, e da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, todas em 2022.


Raphael Couto afirma que “Pedro reforça os vínculos ao se cercar de amigos para construir a exposição, ampliando uma rede de afetos e de recordações. Tal como defende Oswald de Andrade, a memória aqui não é a fonte dos costumes, mas a experiência pessoal renovada e, sobretudo, ética”.


O curador distribuiu as obras de Pedro Carneiro em três grandes núcleos: o primeiro, relacionado ao cotidiano, ao ambiente familiar e afetivo; o segundo, lúdico, o movimento em busca dos sonhos; e o terceiro com comentários mais diretamente políticos. O artista destaca: “Todo trabalho é político, mas neste segmento da exposição o discurso é mais direto”.


O público é recebido pelas fotografias das duas avós, Ridete e Luiza, matriarcas “anfitriãs” da exposição. Pedro Carneiro explica que não costuma trabalhar com fotografia como suporte, mas na pandemia, com a convivência por cinco meses seguidos com as tias para ajudá-las com sua avó, intercalando períodos na casa de sua mãe, em São Pedro da Serra, ele passou a registrar os momentos com a família.


Duas séries de pinturas de plantas estão neste núcleo inicial. “Raízes” (2020), um conjunto de nove trabalhos em tinta acrílica, representando as plantas usadas como proteção por religiões afro-brasileiras, destacadas sobre um fundo de spray dourado. “Do Quintal nº 240” (2024), seis obras em óleo sobre tela, com o fundo em tom de rosa, uma característica do trabalho de Pedro Carneiro, mostram as plantas do quintal da avó Ridete. Foto ao lado: Pedro Carneiro_Do quintal no 240 (3), 2024, óleo sobre tela, 50x40 cm


“Há um rosa nos quintais, carrancas e álbuns de famílias, nas espadas de São Jorge e numa coca-cola na mesa do bar. Um rosa onde o cotidiano é mágico e banal, onde se cata o feijão na mesma mesa em que se lê uma história de super-herói. Há um rosa mágico, entre nuvens contempladas de um quintal no subúrbio, uma rosa dos ventos alegórica e pop. E há um rosa direto e absurdo, que avermelha no sangue dos corpos pretos vitimados ao portar pinhos sóis, guarda-chuvas e furadeiras. Rosa acobreado nos cartuchos de traçantes que riscam a paisagem tal qual Pedro risca a parede. O rosa de Pedro Carneiro é manchado, dissonante, colorido”, destaca Raphael Couto.


Pinturas com cenas do ambiente familiar, como “Naquela mesa” (2022), “Retomar a memória esquecida” (2022), “Antes de mudar a história da arte da minha rua” (2024), “Aprendendo a respirar (2024), e as avós, em “Raízes, Vó Luiza” (2023) e "Raízes, Ridete” (2023) – na foto ao lado: óleo sobre tela, 120x100 cm. – também estão neste segmento.


“Take it easy, my brother Charles” (2021), acrílica sobre tela, mostra sobre fundo rosa um policial de costas, em silhueta, que olha para uma paisagem. “Um dado muito discrepante é que o Brasil tem a polícia que mais mata, e também a que morre mais. Um policial preto que mata um preto. Quero discutir esse sistema. Como se constrói e se perpetua”.


Dois vídeos complementam este segmento: “Um filme para a minha mãe” (2021), 2’18”, https://youtu.be/TDTzBdoRrq4; e “Antes que a memória me esqueça” (2024), 3’41’’, https://www.youtube.com/watch?v=HVDXDc9x4bM&t=2s.


Para esta exposição, Pedro Carneiro vai recriar a instalação “Para os meus feijões favoritos, com amor” (2021-2024), resultado de uma residência no espaço Casa da Escada Colorida, na escadaria Selarón, na Lapa, em que o artista iria fazer uma feijoada para distribuir gratuitamente aos passantes no local. Já com todas as panelas e utensílios comprados, veio a segunda onda da pandemia de Covid, e a ação não pode ser feita. Feijão era uma tradição na família de Pedro. Seu avô materno, Nilo, fazia a “melhor feijoada da vida”, e sua mãe é cozinheira, e teve por dezesseis anos um restaurante na Glória, e depois um bar em São Pedro da Serra, fechado na pandemia. Devota de São Jorge, no dia do santo, 23 de abril, ela costumava distribuir feijoada para as pessoas, repetindo uma tradição do avô dela, que fazia o mesmo no dia de seu aniversário, em 1º de maio. Agora, no Sesc Madureira, a instalação será composta por panelas de aço, plantas diversas e spray dourado sobre ferramentas, três pinturas pequenas, fotografia e uma carta do artista.


A segunda parte de “Antes que a Memória me Esqueça” tem um caráter mais lúdico, e aborda a luta pela realização dos sonhos, a fé, o respiro necessário para admirar a vida, as curas. Pedro Carneiro diz que “faz parte de nossa vida ‘parar e olhar o céu’, em uma apropriação do Cartola” – as pinturas “Ao mergulhar no céu” (2021), na foto ao lado, em acrílica sobre tela, 150x135 cm – e “Leste – Oeste” (2021). Ele menciona o filósofo Hakin Bey (1945-2022) e seu conceito de TAZ (Zona Autônoma Temporária), arte de criar linhas de fuga, de se movimentar encontrando brechas nos sistemas, sem se deixar mapear. “É importante observarmos um autocuidado, nos protegermos” – assunto dos trabalhos “Fé: levei as dores para serem lavadas no mar. I e II” (2020-2024), registros fotográficos da performance feita pelo artista com o sal grosso usado em “Fé”, uma instalação feita em 2020 – “cuidarmos uns dos outros, e trabalhar para melhorar nossa realidade”.


Na pintura “Herói-tropicaos-marginal” (2023) – foto ao lado: óleo sobre tela, 155 x150cm – diferentes personagens estão de frente para o espectador, e alguns, como o herói Pantera Negra, seguram retratos. Um homem com uma cabeça de cavalo, referência à obra “Seja Marginal Seja Herói”, de Hélio Oiticica, está na imagem, que ainda tem uma carranca, símbolo de proteção presente em outras obras deste núcleo: “Caminhar no mundo” (2022) e “Carranca” (2022-2024), uma instalação com sal grosso e resina epóxi, que “transpira” com o tempo, criando uma crosta, e uma poça em volta, sem no entanto perder a forma. “É fundamental termos cuidado com nosso caminho”, acentua o artista.


No último segmento da exposição, estão trabalhos que discutem mais diretamente o racismo, a violência urbana e a segurança pública.


“Fósforo de segurança” (2021-2024), derivado de um trabalho feito em 2021, com 111 caixas de fósforo cobertas cada uma por um adesivo com a frase “Fogo nos Racistas”. O artista distribuiu as caixas, e ficou com uma, que estará na exposição “Antes que a Memória me Esqueça”. Outro desdobramento deste trabalho foi feito para a exposição “Carolina Maria de Jesus: Um Brasil para os brasileiros”, chamado “Caixa de Segurança”. A obra faz alusão aos 111 mortos no Massacre do Carandiru, em São Paulo, em 1992, e aos 111 tiros que mataram cinco jovens no crime que ficou conhecido como a Chacina de Costa Barros, no Rio de Janeiro, em 2015, levando, em 2019, os dois policiais militares responsáveis pelo crime à condenação de mais de 52 anos de prisão.


Na pintura “Semelhante, só a cor” (2019), estão representados sobre um fundo em cores vivas – amarelo, vermelho e azul –, uma furadeira, um guarda-chuva e uma garrafa de desinfetante. Esses objetos acarretaram mortes ou prisão de homens negros. O próprio artista sofreu racismo, que por sorte não teve conseqüências graves. Ao sair de um bar depois do almoço, segurando um guarda-chuva fechado, ouviu gritos de uma mulher, e assustado olhou em volta em busca do motivo do pânico. Até que percebeu que era ele mesmo a razão dos gritos da mulher. O abalo sofrido por ele permaneceu, mesmo após os pedidos de desculpas dela.


Pedro Carneiro discute ainda o conceito de “balas perdidas”, assunto presente na tese de mestrado em arte e cultura contemporânea que desenvolve na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e recupera fatos ocorridos na infância. Em um deles, ele estava em seu quarto desenhando, na casa em que morava com a mãe em Santa Teresa, e por algum motivo saiu dali. Sua mãe, que estava na cozinha, ouviu um barulho e correu para o quarto do filho. Quando Pedro voltou, viu sua mãe aos prantos. Uma bala havia atingido a parede, e caído sobre o desenho. Outro acontecimento marcante foi o vivido aos cinco anos. Brincando no espaço aberto que lligava as casas da vila onde o pai, já falecido, morava, no Engenho Novo, Pedro viu estrelas cadentes, diferentes das que já tinha visto durante férias em uma cidade costeira, quando aprendeu que devia se fazer pedidos. Dessa vez, estranhou serem vermelhas, e foi correndo chamar o pai, que olhou para o céu e deu um grito mandando o filho entrar em casa.


Passando com amigos e a namorada pela Praça Onze, Pedro Carneiro viu um homem vendendo cartuchos usados de armas de fogo. “Uma loucura, aquilo. Como se normaliza um objeto letal, e, pior, vira uma sedução mórbida”, se indigna. Comprou alguns cartuchos, que pintou de dourado e fotografou sobre fundo também dourado, resultando na obra “Ouro de Tolo I” (2020) – ao lado –, impressão em papel Fine Art Photo Rag Metalic 340g, 30x20cm.


Juntando a ideia de “traço” de desenho com a de balas “traçantes”, o artista fez um molde de um cartucho .50, e produziu uma série de pasteis oleosos. Na exposição “Superfície”, em 2023, no Espaço Sergio Porto, ele fez uma performance em que esses pasteis em forma de cartucho ficavam sobre suportes dispostos verticalmente, para o artista usar traçar com eles linhas horizontais. Raphael Couto insistiu para que Pedro Carneiro gravasse a ação, e este registro se tornou o trabalho “Traçar Traçantes” (2023), 1’53’’, https://youtu.be/8u25eJooeDI.


Clara Machado afirma, em seu texto, que Pedro “rememora a memória, a reelabora, retrabalha”. “Refunda a memória, a inventa outra vez. Coleta seus fragmentos, seus rastros e traços, produz um sample da memória. E, ao narrar outros passados, lança a possibilidade de novos futuros. ‘Caminhar o mundo’ na corda-bamba dos afetos, talvez, seja isso. Carregar seus amuletos, insistir nos seus afetos, se manter atento, lembrar de não esquecer”.



SERVIÇO:

Abertura: 14 de abril de 2024, às 13h

Até 14 de julho de 2024

Sesc Madureira

Rua Ewbank da Câmara, 90, Madureira

Terça a sexta, das 10h às 20h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 17h

Entrada gratuita