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A Z A R


Quem não conhece o filme de Orson Welles? Ou o filme de Roman Polanski? Ou o filme de Kurosawa, Ram? E um dia essa paixão chegou à ópera.

Verdi se declarava profundamente atraído pela obra de Shakespeare e pensava muito em A Tempestade, Rei Lear e Hamlet.

Quando Macbeth estreou em Paris, ele foi acusado de não conhecer Shakespeare. Ele respondeu então ao seu editor francês: “Eles cometeram um grave erro a meu respeito. Pode ser que eu não tenha feito justiça a Macbeth, mas alegar que eu não conheço, não compreendo, ou não sinto Shakespeare, oh, não por Deus, ele é um dos meus poetas favoritos. Tenho Shakespeare em minhas mãos desde muito jovem, eu li e reli pela vida a fora”.

Luchino Visconti dizia que Verdi se inspirava muito mais em personagens não positivas. Que Verdi preferia falar das derrotas, das almas solitárias, dos destinos humanos esmagados pela realidade do dia a dia. Abigail, em Nabuco, é uma precursora dessa linha de personagens negativas. As idéias de Verdi em relação a Shakespeare se tornaram mais forte ainda no convívio dos grandes tradutores italianos de Shakespeare, Giulio Carcano, especialmente Andréa Maffei que acabou sendo com Francisco Maria Piave, o libretista final dessa sua livre interpretação de Macbeth.

Deve ter sido Maffei quem fez com Verdi o primeiro roteiro desse Macbeth. Cortaram mais de dez personagens. Em 2 de setembro, Verdi manda esse resumo – podemos chamá-lo assim, ao seu libretista mais habitual, Francisco Maria Piave, com o recado: “Essa tragédia é uma das maiores criações do Homem. Se não pudermos fazer dela algo grande, pelo menos, tentemos fazer algo fora do comum. O esboço é claro, não convencional, se desenvolve facilmente e é curto. Tente versos também curtos. Quanto mais curtos eles forem, maior será o efeito”.

Verdi quando recebeu o primeiro libreto de Piave, escreveu-lhe uma carta terrível. Piave recomeçou tudo, mas quando o libreto afinal foi aceito, Verdi ainda quis que Maffei reescrevesse o coro das bruxas do terceiro ato e a cena do sonambulismo.

Os cantores receberam a partitura e as exigências/conselhos/avisos/explicações dramáticas de Verdi. Foram tão detalhadas que chegaram a pedir ao intérprete de Macbeth que procurasse mais representar do que cantar: “Seja mais ator, pense menos no cantor que você é”!

O segundo Macbeth – Para apresentar a ópera em Paris foi solicitado a Verdi um balé, como era costume na ópera francesa. Verdi recebeu o pedido e escreveu de volta: “preciso mudar muita coisa, refazer outras: Uma ária para Lady Macbeth no segundo ato; Reescrever várias passagens nas cenas das aparições do terceiro ato;  Refazer a ária Macbeth – 3º ato;  Revisar as cenas iniciais do 4º ato. Foi aí que ele incluiu o coro O Pátria Opressa; Escrever um novo final para o 4º ato, fazendo com que Macbeth morra fora de cena. O balé foi um problema sério para Verdi. O Balé deve ser, segundo Verdi, uma mistura de dança e mímica capaz de criar uma nova variedade de andamento, uma nova atmosfera, inclusive para permitir a presença de Hecate.

Os Franceses foram frios em relação a Macbeth. Sempre preferiram a ópera, a grande ópera francesa e o belo canto italiano. Os críticos discutiram a desigualdade estilística de Verdi.. Na Itália, um senhor de nome Fiorentino Bassevi escreveu a seguinte bobagem: “Verdi escreveu uma ópera em que o amor não é o tema central e o amor é o tema que mais se ajusta a música e a ópera”. Alguém disse que Verdi não conseguiu tocar a corda da angústia. Outro disse que Verdi não fez uma ópera Shakespereana.

Em 1880, alguém já conseguia dizer que Macbeth era um fracasso, mas um esplêndido e interessante fracasso. Na verdade, hoje, todos reconhecem Macbeth como uma das grandes óperas de Verdi. Se não, vejamos: 1) Macbeth mesmo na sua primeira versão é uma nova maneira de criar o melodrama italiano; 2) Pela primeira vez o drama é mais importante que o vocalismo; 3) Acentue-se à ausência da árias e duetos de amor; 4) O abandono do tenor como personagem central; 5) A instrumentação habilmente estudada, o uso do coro e a estatura psicologicamente muito trabalhada dos protagonistas.

Hoje Macbeth na sua terceira versão é capaz de empolgar o público apaixonado por ópera.

A genialidade de Verdi está sempre presente. E Shakespeare não foi diminuído pelo experimentalismo e ousadia de Verdi / Maffei / Piave.