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As pequenas raposas


Children’s Hour teve duas versões na telona: uma com Merle Oberon, Joel MacCrea e Miriam Hopkins nos anos 50, onde não ousaram tocar no tema do lesbianismo e transformaram o problema entre as duas professoras amigas numa simples e inesperada surpresa quando uma delas se apaixona pelo namorado da outra. Essa versão no Brasil se chamou Infâmia.

Mais tarde, com o nome de Calúnia, Shirley Mac Laine se descobria apaixonada por Audrey Hepburn e por isso se matava. A peça foi feita no Brasil com Tonia Carreiro e Margarida Rey, direção de Alfredo Celli.  Little Foxes (Pequenas Raposas) foi grande sucesso na Broadway, com Tallulah Bankead, no fim dos anos 80 e no cinema, com Bette Davis, em 1941, com direção de Willian Wyler. Tallulah ficou possessa, ela acreditava que as Raposas seriam o seu verdadeiro lançamento no cinema, mas Bette obteve o papel e fez dele uma de suas maiores criações, senão a maior de toda a sua carreira. Com uma maquillage quase branca que dava ao seu rosto um aspecto de máscara, Bette era uma Regina Giddens inesquecível, símbolo de uma burguesia americana que para subir economicamente na vida, não media esforço e nem se permitia limites. A família dos Hubbards faz casamentos por interesse e é capaz de roubar entre si, trapacear em negócios sujos, tudo por dinheiro.

A peça, vista hoje em dia, é mais do que nunca uma visão perfeita do capitalismo americano, hoje em guerra inglória aparentemente para se vingar de 11/9, mas na verdade, a eterna guerra do poder, aqui representado pelo petróleo que eles querem para eles.

Já tentaram modernizar a peça, e houve uma versão com Tonia Carreiro, direção de João Augusto, que trazia a história dessa família maldita para o século XX. Não deu certo. A peça não é datada, mas conta a história do nascimento de alguma coisa que estamos vendo, ainda hoje, dominando o mundo, só que esse nascimento tem data fixa e conhecida por todos.

Pessoalmente, é a quarta vez que eu me envolvo com esse texto. Fiz duas versões no Grande Teatro, em São Paulo e no Rio. Regina era Wanda Kosmos, em São Paulo. Nathália Timberg, no Rio. Berdic, a mulher de Oscar, vítima da ganância da família, era interpretada por Fernanda Montenegro, nas duas versões. Na terceira versão, no programa Aplauso, da TV Globo, eu dirigi uma adaptação feita pelo Domingos de Oliveira; Nathalia era Regina e Iara Amaral era Berdic. Eu, que tinha sido o Sr. Giddens, marido da personagem Regina nas duas primeiras versões, no Aplauso fazia o Sr. Marshall, um homem de negócios envolvido com a família.

Agora, pela quarta vez, estou novamente criando o Sr. Giddens, o marido vítima de Regina. A direção é de Naum Alves de Souza, a produção de Hermes Frederico, e no elenco Beatriz Segall faz Regina, Joanna Fomm, Berdic, Rogério Fróes e Edney Giovenazzi os dois irmãos Hubbards, duas feras, verdadeiros pitbulls dos negócios. Lea Garcia cria Addir, que criou Alexandra, interpretada pela estreante Patrícia Werneck. Aires Jorge é Cal, negro escravo dos Hubbards, Roberto Pirillo é o Sr. Marshall e Pedro Osório, encarna o rebento mais jovem da família, já uma figura sinistra em toda a sua juventude. O filme de Bette Davis - vocês lembram? - chamava-se Pérfida, o que era um título péssimo. A nossa produção tem o título original As Pequenas Raposas.   

E para sintetizar o que é mais assustador, mais poético sobre o horror do capitalismo, leiam a frase final de Bem Hubbard, personagem de Rogério Fróes:“Nesta virada do século, o mundo está em aberto para pessoas como eu e você.”

Prontinho para nós, esperando por nós. E isso é só o começo. Há centenas de Hubbards, sentados em salas como essa, em todo o país. Não se chamam Hubbards, mas são todos Hubbards e eles vão mandar e conduzir este país algum dia. E nós iremos com eles. É bom lembrar que uma escritora como Lillian Hellman não escapou à sanha do macartismo, movimento contra todos os pensadores de esquerda. Lillian teve suas atividades proibidas na América, se refugiou na Europa e lá viveu um tempo.

Esse exílio é contado no excelente filme Julia, com Jane Fonda e Vanessa Redgrave.