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Kizombas, Andanças e Festanças


- Eu sou Noel de Medeiros Rosa. - E eu Martinho José Ferreira. - O Martinho da Vila? - Diante de você eu sou só o Martinho. Da Vila é você. - Eu sou de fato. Você é de direito. Mas preciso muito lhe falar. Passear pela nossa Vila Isabel. Conhecer lugares onde passei a minha infância e adolescência. Rever coisas. Recordar gentes. Contar e ouvir histórias. Sonhar. 

- Só se for agora. - Vou lhe chamar de mano, como no meu tempo. - E eu vou chamá-lo de compadre, como hoje. - Vamos lá mano Martinho. - S’ imbora compadre Noel. É “Conversa de Botequim?” - Sim, mano, mas em “Tom Maior”. Aqui ainda é o Boulevard 28 de Setembro? Com o mesmo traçado de um boulevard parisiense? - É compadre, mas em 1922 passou a se chamar avenida. Há pouco tempo voltou ao antigo nome. Eu sei que era o lugar dos  grandes corsos, das batalhas de confete, dos passeios domingueiros, das cadeiras nas calçadas. Mas tudo isso é passado. Hoje, acabaram-se os bondes, a luz é de mercúrio e do Ponto Cem Réis, somente alguns poucos lembram o nome. - Espere aí, mano Martinho. Você quer dizer que acabou o carnaval de bonde que nos levava até o centro da cidade? Que não existem mais batalhas da Dona Zulmira e Santa Luzia? E os corsos da 28 de Setembro também acabaram? Então como é que vocês brincam o carnaval? - Encurralados. Numa avenida fechada, onde somos obrigados a nos submeter a regulamentos e respeitar horários. Evoluir com passos marcados e fazer um samba sobre um tema que nos desagrada para alegrar a quem pode pagar.- Você compõe para o carnaval?- Sim, mas ainda cantamos os seus sucessos.- E para a festa da Penha?- Virou comércio.- E dá compadre Noel. Mas vamos tomar alguma coisa? - Tem cerveja ABC ou Cascatinha? - É, não existem mais. Você fuma? - Liberty Ovais. Mas vamos ao nosso papo. Você sabe que a nossa Vila é um presente de  amor? - Me conta esta história compadre Noel. - A Vila era a grande Fazenda dos Macacos que pertencia a D. Amélia de Leuchtenberg, a duquesa de Bragança, que ganhou de presente de casamento do Imperador Pedro I. Este boulevard se chamava “Caminho dos Macacos”. - Agora eu sei por que o nosso morro se chama dos Macacos. E por que o nome Vila Isabel? - Durante as viagens do imperador Pedro II a Portugal, quem assumia era a princesa Isabel e, quando o João Batista Vianna Drummond comprou a Fazenda dos Macacos, em 3 de janeiro de 1872, quem estava na Regência era a princesa. Ele então para fazer uma média com a Coroa, batizou o bairro de Isabel. - Já existia malandro naquela época, compadre Noel. - E tinha que ser na Vila mano Martinho. Por causa disso o João Batista Vianna Drummond, em 19 de agosto de 1888, ganhou o título de barão. Mas a Vila veio predestinada a crescer, pois um mês e pouco depois de ser comprada, já estava sendo fundada a Companhia Fero Camil, que construiu as primeiras linhas de bonde ligando Vila Isabel ao centro da cidade. Em 1873 foi organizada a Companhia Arquitetônica para planejar o bairro. Este trabalho foi entregue ao engenheiro Francisco Bittencourt Silva. Mas me conte, mano, como foi que você veio dar com os costados em Vila Isabel? - Aí que está o x do problema, compadre. Eu nasci em Duas Barras, num chuvoso carnaval, em 12 de fevereiro de 1938. Quando eu tinha quatro anos, minha família veio morar na serra dos Pretos Forros, lá pros lados do Lins. Rapazinho, já pertencia a ala dos compositores da Escola de Samba Aprendizes da Boca do Mato, levado pelo Tolito, hoje da Mangueira. Mas a gente anda e eu passeava pela Vila. Num dia do ano de 1966, o Davi, ex-presidente da Vila, me convidou para ser secretário da diretoria da Escola de Samba Grêmio Unidos de Vila Isabel. Mas o meu barato era ser da Ala dos Compositores. Então o  Rodolfo me apresentou ao Tião Graúna, que era presidente da Ala, mas como eu havia conquistado alguns campeonatos nos Aprendizes, o Tião me perguntou: “Você tem bagagem? Canta um bagulho aí”. Eu disse alguma coisa e ele parece que gostou. Mas tive que fazer um estágio e um samba de terreiro “Boa Noite”, onde eu falava de você. - Quais as cores da escola de samba de Vila Isabel, mano? - Branca e azul, compadre. - Que beleza! Lá em cima tudo tem estas cores. Quem não gosta muito é o meu parceiro Cartola - Ao lado do trabalho que faço na escola, divulgo o bairro pelai. Já tenho muitos discos gravados. De vez em quando vou a Angola consultar minhas origens e estou aí, tentando preservar a nossa música, fugindo dos ritmos estranhos, valorizando o que é nosso. Resistindo. Afinal, “São nossas coisas”.- Mas como tudo em Vila Isabel, você é um predestinado, mano.