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O cinema indiano


Em 2000 foram realizados mais de 800 filmes. A Índia produz e consome mais filmes do que todos os outros paises do mundo reunidos. É um enorme negócio: 80 milhões de espectadores por dia. Por dia, é isso, 80 milhões de pessoas assistindo cinema. Contrastes desse povo – de um lado, a miséria mais negra, de outro lado, os cinemas da Índia todos lotados.

Houve uma ofensiva americana, lá pelos fins dos anos 80, com filmes dublados em hindi e bengali, duas das línguas mais faladas na Índia. E conseguiram alguns sucessos como Titanic e Jurassic Park, mas sem ameaçar a predileção do seu povo pelos seus próprios filmes.

Em Hyderbad existe talvez o maior estúdio do mundo, mas ainda assim Bombaim produz mais da metade dos filmes indianos.

O indiano ama nos seus filmes particularmente a música, é ela que mantém esse público tão fiel aos filmes de seu país. E há a dança, o canto, quase sempre presentes nos filmes indianos.

Há problemas: a conservação dos filmes. A maioria se perde, ninguém pensa em conservá-los. Não existe a tradição de fazer uma história do cinema indiano. Não existem arquivos – os filmes são descartáveis. Filmes para hoje e não para amanhã.

Essas observações eu li no livro de Jean Claude Carriére, que esteve na Índia um tempo longo, filmando com Peter Brook o poema Mahabharata.

Filme indiano? O primeiro que vi não lembro, talvez um dos três de Satyajit Ray: a história de Apu – Panther Panchali, Apajarito e O mundo de Apu. Agora já se vê filmes indianos, até mesmo no Brasil. Em Nova Iorque, em Paris, Londres, sempre existem salas que exibem filmes
indianos.

Mira Nair ganhou com Salam Bombay o prêmio de Cannes. Apajarito  deu a Ray o prêmio de Veneza. Será que as coisas mudaram? O indiano começa a pensar numa história de seu cinema, pensar em conservar seus filmes? Será?

Os indianos não têm nenhum entusiasmo pela maioria dos filmes que mostram a Índia nos seus roteiros. Índia de Rossellini – a Índia está lá  – Rossellini filmou nas ruas, mas nem assim conseguiu sair do clichê.

O rio de Jean Renoir é admirado por algumas seqüências, especialmente as que mostram a vida na Índia da família inglesa, mas os indianos acham o olhar de Renoir sobre a Índia, no mínimo, ingênuo sobre a Índia milenar. Gostam muito dos documentários. A Índia fantasma,
direção de Louis Malle, filme que nunca passou aqui no Brasil, rodado em 67/68. Desses documentários, só foi exibido Calcuttá, que valeu a Louis Malle a proibição de nunca mais voltar à Índia. Hoje as coisas mudaram e muito. A Índia é mais aberta à visão que dela se pode fazer Mrinal Senn, por exemplo, importante diretor de cinema, admira o trabalho de Malle e conta um episódio engraçado, acontecido em Calcuttá.

Louis Malle quis filmar uma manifestação de estudantes, cercada por uma massa de policiais. Não deixaram. Mas o oficial de polícia era amigo de Mrival e quando soube que era Louis Malle quem queria filmar, virou para o diretor e lhe disse encantado: eu vi Zazie dans le metro. Legendado? Perguntou Malle. Não. Conheço sua língua, estudei na Aliança Francesa, respondeu o oficial, e autorizou a filmagem.

Jean Claude Carriére (*), no seu livro Índia: “Satyajit Ray nos convidou ao seu apartamento – escuro, edifício cinza, livros, tudo puro século XVIII, instrumentos musicais e a fotografia de Sergei Einsenstein.

Afável, elegante, bonito, ele parecia o Luchino Visconti de Calcuttá. Falou todo o tempo da música indiana e do Mahabharata. Ele tinha pensado em filmar Mahabharata mas a dificuldade de produção o obrigaria a uma co-produção americana. E Ray não imaginava nenhum ator americano como Arjuna, o herói principal. Imaginem só, diz ele, Kirk Douglas nesse papel.

Ray não falou uma palavra sequer sobre a miséria de Calcuttá. Achava a cidade charmosa. Ele era um ídolo, conhecido nas ruas, os motoristas de táxi sabiam seu endereço. Satyajit Ray, apesar de ter realizado obras aonde a miséria, a indigência chegam a extremos, parecia viver num mundo a parte.

Satyajit Ray estudou pintura 3 anos e sempre se interessou por cinema. Em 42 fundou a Sociedade de Cinema de Calcutá, onde viu filmes de Flaherty e Ladrões de Bicicleta, que o influenciaram. Em 50/57 foi assistente de Jean Renoir em O rio, mas não havia dinheiro para o seu sonho de filmar a saga do jovem Apu que começa criança em Pather Panchali, já é um rapaz em Apajarito e pai em O mundo de Apu. Ele fez o filme com uma equipe praticamente sem nenhuma experiência.

Filmavam à noite e nos fins de semana, nas horas em que não trabalhavam para sobreviver. Seu cameraman, Subrata Mitra era fotógrafo, não sabia nada de cinema. Houve um momento em que parecia que os 3 filmes nunca iriam acontecer, mas aí o governo de Bengal resolveu patrocinar.

Satyajit acredita na novela sobre Apu por sua humanidade, seu lirismo e seu senso de verdade. Os seus filmes conseguiram ter as qualidades da novela. Em Cannes, houve gente que esnobou os filmes, “pesado, desinteressante”, mas alguns críticos, entre eles André Bazin, perceberam suas qualidades: um cinema novo que revelava para o mundo os mistérios da Índia. Com o segundo filme, Apajarito ele ganhou o Festival de Veneza.

Os filmes de Satyajit Ray marcaram os anos 50, mas o cinema indiano não é só ele, é muito mais. Filmes que melhores ou piores, falam sempre muito verdadeiramente desse povo tão especial que é o povo indiano.

Voltaremos.

(*)nota: Jean Claude Carriére foi roteirista permanente de Buñuel, autor da peça A controvérsia, que vimos aqui com Paulo José, e escreveu o roteiro de Mahabharata,
que teve a direção de Peter Brook.