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Primeiro foi Nelson Rodrigues


Com raras exceções, me lembro de duas: A mulher sem pecado, com José de Abreu e Luciana Braga, e as versões de Luiz Artur Nunes de suas pequenas histórias de A vida como ela é.

Depois veio a segunda vítima, e quem? Nada mais nada menos que Shakespeare, sem dúvida o maior escritor de todos os tempos. Eu acho pessoalmente que ele é o maior escritor de todos os tempos não só do teatro, mas da literatura em geral. Eu penso assim, muita gente vai discordar. Discordar é bom, discutir, polemizar, mexe com a massa cinzenta nossa de todos os dias, um pouco adormecida nesses dias sem muitas alegrias que estamos vivendo. Pois é, agora é Shakespeare por todo lado. Há um Shakespeare respeitável, o Macbeth do Stephane Brott e da Ana Teixeira, que esteve no CCBB. Nós todos admiramos o Nós no Morro, mas me parece que Shakespeare ainda não é para eles. Otelo em três minutos não passa de uma piada.

Agora chegou a vez de Arthur de Azevedo. Só em maio estrearam três peças com textos dele. As Comédias Cariocas, no Teatro do Jóquei, com Gustavo Gasparian. Dirigindo Amor por Anexins. O elenco é bom: tem o Gustavo, tem a Claudia Ventura, a Ana Wiltgem.

Nessas Comédias Cariocas, sem cenário, só pequenos bancos, cadeiras, uma mesa e os atores vestidos a caráter, tem-se o espírito de Arthur e ainda mostram França Jùnior e Martins Pena.

Agora o nosso querido Amir Haddad: no passado ele realizou um bom O Mambembe, obra prima de Arthur. Esse espetáculo aconteceu na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) e depois passou para o Teatro Cacilda Becker, se não me engano. Havia muito Amir, sabem como ele é, muito barulho, muitas interrupções no texto original, mas era Arthur, e um bom Arthur. Agora no teatro Villa Lobos, ele mexeu na platéia do teatro. Nada mau até aí, eu detesto aquela inclinação, não sei se é problema da minha idade: difícil subir ou descer e difícil também de ver. Até a quinta fila, você está num teatro normal, daí em diante, está apenas numa inclinação estúpida que não permite ver bem nada, nem o cenário, nem os atores.

Amir espalhou o público e o colocou também no palco.

E anuncia, palavras do Amir: “abandonei a estrutura de Arthur, sua dramaturgia tradicional”.

Ele usa um narrador que conta a história (um narrador contando a história, ah, Amir!) e depois o elenco canta as músicas.

“A idéia” diz Amir, “é ir aos poucos incluindo apenas algumas cenas”.

Eu, se fosse você, chamaria isso de O Mambembe – o recital, deixava o narrador e quem quisesse só as músicas, que fosse lá assistir. Só que as músicas deliciosas, eu fiz O Mambembe, sei que elas são deliciosas, são meio afrancesadas, quase todas muito inspiradas na opereta francesa, então não podem representar o melhor de O Mambembe, ingênuo e tão divertido texto de Arthur.

Os F. Privilegiados pegaram o texto de A Capital Federal e com direção de João Fonseca, talentoso diretor, creio eu de muito futuro, e apenas se inspiraram no texto de A Capital Federal. É verdade que ele chama o seu espetáculo O Carioca e nele mistura a trama de A Capital Federal com crônicas e esquetes sobre o Rio de Janeiro de hoje.
    O Rio mudou muito pouco, é o que a peça tenta mostrar, nós já sabemos disso há muito tempo, desde os tempos do Arthur, que dizia num momento do texto de A Capital Federal: “Aqui há muita liberdade e pouco escrúpulo, faz-se a tentação do vício, não se respeita ninguém, é uma sociedade mal construída”.

Boatos da Ouvidor, da diretora Maria Cristina Gatti (boa atriz sumida) também usa parte do texto de A Capital Federal, no seu espetáculo que começou lá no Armazém do Manuel, Armazém 5. Boatos da Ouvidor porque esses boatos apareciam em jornais, quase todos eles instalados na querida Rua do Ouvidor.

Cristina ressalta que Arthur é eterno, seus personagens arquetípicos – a mulata, o aristocrata e o malandro podem ser encontrados nas ruas do Rio até hoje. Arthur é eterno, pois é. Então por que não refazer suas peças como elas são e não usar apenas trechos, por que narrador e só a música, por quê?

A vítima agora é Arthur. Vamos esperar para ver quem será o próximo. Meu pensamento é assim: querem fazer algo sobre o Rio, escolham material variado, inclusive do Arthur, do Martins Pena, do França Júnior, do Viriato Corrêa, tanta gente, mas façam um texto/roteiro com essa gente toda, mas não peguem uma peça de um desses autores, cortem de qualquer maneira e pretendam estar realizando o Martins Pena, o França Júnior, o Arthur.

Gente criativa do meu Rio, crie de uma vez algo de vocês, com base em todos os escrevinhadores cariocas, mas não estropie peças de gente como Arthur Azevedo!