A paixão brasileira por telenovelas pode não contagiar qualquer telespectador, mas intriga e inspira os especialistas em comunicação e quem observa a vida no país. Em How to be a carioca: the alternative guide to a tourist in Rio (Editora Twocan, R$ 40), a norte-americana Priscilla Goslin salientava o hábito nacional de discutir e assistir à “novela das 8”. Era 1991, e o horário da principal telenovela avançou diversos minutos, enquanto o interesse das elites por elas decrescia, principalmente depois da entrada da TV paga no Brasil. A temática, no entanto, pouco mudou, como atestava a jornalista Cristiane Costa em Eu compro essa mulher – Romance e consumo nas telenovelas brasileiras e mexicanas (Zahar, diferentes preços em sebos; está fora de catálogo), lançado em 2000, e em publicações posteriores, entre elas O Brasil Antenado – A sociedade da Novela (Zahar, R$ 10 ), de Esther Hamburger, publicado em 2005.
O leitor encontra um livro apaixonante, descobre um autor, lê tudo o que ele já produziu na vida, sentindo-se cada vez mais inebriado por aquela torrente de palavras, imagens, sentidos que a vida toma a cada página avançada. E aí chega aquele momento em que se depara com uma obra menor do escritor. Respira fundo, muda toda sua visão sobre ele ou confirma que os livros X, Y, Z são geniais e o K ou W não passam de exercícios sobre o mesmo tema?
Poderia ser a trama de uma novela policial, se a narrativa se fixasse na obstinação do protagonista em salvar sua amada de uma sobrevivência dolorosa, patética. Um argumento forte para documentário, um chamamento à precariedade dos tratamentos de suporte a pacientes crônicos. O drama da vida real vivido pelo aposentado Nelson Golla, que há dois anos, abraçou-se à mulher, Neusa, internada em uma clínica para idosos, acionando um artefato explosivo que deveria matar o casal. Neusa morreu, Nelson responde em liberdade ao processo pela morte da companheira de mais de cinquenta anos de convivência, sob os cuidados dos filhos, preocupados com a tendência ao suicídio na família do pai.
Quando uma revista de decoração está sem pautas novas, recicla um tema tradicional: “como montar sua biblioteca”. O texto oferecerá muitas sugestões arquitetônicas de requinte estético e total desconhecimento do produto a ser armazenado, com prateleiras ao rés do chão, deixando os livros sujeitos a receber camadas de sujeira transportadas por sapatos. E lindas estantes ladeando degraus de escadas, que também podem ser aproveitados para receber volumes. Quem imagina uma biblioteca dessas provavelmente desconhece que livro é um imã de poeira, uma incubadora de ácaros, traças, fungos.
Entrega de Oscar no domingo de carnaval atrapalha a vida de foliões e cinéfilos, jamais de leitores, que podem até escolher deixar de lado a batucada ou o cinema para se esticar na rede e tentar desbastar as pilhas de tsundokus* acumuladas por tudo quanto é canto. Desejo de me enroscar com um livro não me falta, porém dificilmente conseguirei acabar mais que três no mais alegre feriadão brasileiro.
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